Gás Natural

Pressão sobre o preço

Jornal do Brasil
06/01/2006 02:00
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Entrevista: José Sergio Gabrielli

Se do outro lado da fronteira com a Bolívia a Petrobras encontra dificuldades para manter barato o preço do gás natural que importa daquele país, do lado de cá a realidade não é muito diferente. Pelo menos é o que se conclui da entrevista concedida ao JB pelo presidente da companhia petrolífera, José Sérgio Gabrielli. O executivo admite que, se depender do projeto de livre acesso aos gasodutos, idealizado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), o período para amortização dos investimentos será muito curto. Isso, segundo ele, encarecerá não só o transporte do gás, mas, no fim das contas, o preço do produto para o consumidor.

Peça-chave da campanha do PT este ano e membro do comitê que recepcionará o presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, em sua visita ao Brasil – no próximo dia 13 –, Gabrielli apresentará um pacote de propostas para expandir o gasoduto Bolívia-Brasil e solucionar de vez o impasse envolvendo as duas refinarias da Petrobras em território boliviano. O rol de possíveis soluções inclui não só a entrada do governo daquele país no capital das duas refinarias, como admitiu Gabrielli, mas também “outras possibilidades”.

Às vésperas de se tornar o presidente que levará a Petrobras a alcançar a tão sonhada auto-suficiência na produção de petróleo, Gabrielli nega que a empresa congelará os reajustes da gasolina em 2006, embora deixe a possibilidade em aberto.

– Se forem mantidas as atuais condições do mercado, não há porque reajustar os preços dos derivados de petróleo – afirma.

Na entrevista, o executivo também admite que o programa exploratório da Petrobras, de US$ 34,1 bilhões até 2010, corre riscos de sofrer alterações em função da escassez no mercado internacional de equipamentos, como sondas de perfuração. Com isso, as descobertas de novas reservas nas chamadas áreas de fronteira tecnológica deverão ficar para depois, em favor de uma política que privilegie campos com viabilidade comprovada, como os das Bacias de Santos, Espírito Santo e Campos.

Dessa forma, diz Gabrielli, a empresa terá que definir prioridades no portfólio exploratório para alocar os investimentos nos próximos cinco anos. Campos gigantes como o Papa-Terra, descoberto recentemente na Bacia de Campos, também ficarão para depois de 2011.

– Temos hoje uma limitação no mundo que é a escassez de sondas de perfuração e exploração.

Evidentemente que esse contexto mundial cria algumas limitações para o nosso programa exploratório – afirma o executivo, ao admitir que a receita para contornar tais limitações inclui eficiência: – Vamos ser mais seletivos e eficientes.

A seguir os principais trechos da entrevista.

– Não é muito perigoso para uma petroleira concentrar investimentos tão altos em um produto como o gás, que dá menos rentabilidade que derivados de petróleo?

– O gás realmente desloca a gasolina e o diesel de mercados, mas estes derivados têm outros nichos. Então, isso não implica necessariamente perda de mercado para a empresa. Evidentemente, há problemas de retorno no curto prazo, porque o gás demanda investimentos em infra-estrutura, que dão baixo retorno em um prazo muito longo. Daí nossa crítica aos projetos de lei existentes e à posição da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) em relação a prazos de concessão para utilização de gasodutos.

– O prazo para exclusividade da infra-estrutura de gás deveria ser maior?

– Sim, para viabilizar investimentos. Ninguém vai investir se não há capacidade de retorno, porque, do contrário, a tarifa terá que ser tão alta que torna o negócio inviável. Teremos de fazer esses investimentos para viabilizar mercado, não só porque a legislação brasileira hoje restringe a queima de gás nos campos, como também haverá aumento da produção de gás associado com a descoberta de reservas de petróleo leve, que têm maior proporção de gás associado.

– Qual a quantidade necessária de gás para o país, no futuro?

– A capacidade de expansão da produção de gás na Bolívia será determinante. Sem investimentos, há uma capacidade limitada. Na nossa visão, o gasoduto pode alcançar 34 milhões de metros cúbicos/dia sem grandes investimentos.

– O governo boliviano se tornará sócio da Petrobras nas refinarias de Cochabamba e Santa Cruz de La Sierra?

– Evidente que estamos dispostos a conversar. Mantemos boas relações com a Bolívia, mas não existem definições precisas sobre como será essa negociação, porque ainda não sentamos para conversar. Há outras possibilidades também em vista.

– Quais?

– Tudo é possível quando duas pessoas se aproximam. Temos que sentar para conversar primeiro. Temos investimentos na Bolívia, e gostaríamos de aumentá-los. Respeitamos o processo democrático e saudamos o resultado das eleições.

– Qual o benefício da auto-suficiência em petróleo para os consumidores?

– Considerando-se os tamanhos da Petrobras, do mercado nacional e a posição estratégica e as condições institucionais do mercado brasileiro, significa que as flutuações do mercado internacional serão administradas de forma mais tranqüila. Na medida em que você tem uma produção maior, tem condições de proteger esse mercado e viabilizar uma situação em que os impactos das decisões vão ser mais amortecidas em relação à sua demanda. Uma grande empresa que tenha um grande market share, em qualquer setor, não pode desconsiderar os impactos de suas decisões sobre sua demanda. Se ele aumenta preço, perde quantidade. Evidentemente que isso vai depender do momento e de todo um conjunto de questões a serem analisadas, mas, havendo produção suficiente no país, fica mais fácil administrar tudo isso. Isso não quer dizer que possamos descolar o país do mundo, até porque os derivados vão continuar a flutuar e afetar o mercado interno, mas o impacto será menor.

– Mas não foi isso que disse o ministro Silas Rondeau (Minas e Energia)...

– Na verdade, o que o ministro disse foi que, se as condições dos preços internacionais continuarem como estão hoje, é possível que não haja necessidade de um reajuste no próximo ano. O se, nesse caso, é absolutamente fundamental. Com a auto-suficiência, você pode ter, ainda, mais capacidade de administrar o amortecimento dos impactos internacionais.

– Então, no caso de uma alta acentuada nos preços internacionais, a Petrobras não precisará reajustar imediatamente os preços internos?

– É isso.

– Sem prejuízo para o acionista?

– Sem prejuízo. Por que a Petrobras teve o quarto maior lucro entre as petroleiras no terceiro trimestre de 2005? Porque tem uma relação entre o custo e a venda. Se você tem uma empresa integrada, e não exclusivamente refinadora, pode vender o petróleo bruto para as suas refinarias a preços internacionais e revender derivados com os devidos ajustes de custos. É essa combinação de margens diferentes que leva a Petrobras a surpreender os analistas de mercado.

– O senhor vê necessidade de refinarias privadas no país?

– Necessidade? Eu vejo que o mercado é aberto no país. Estamos expostos à concorrência e queremos isso. Temos uma refinaria onde somos sócios da Repsol (Alberto Pasqualini, RS), e vamos construir outra com a PDVSA (estatal venezuelana) em Pernambuco. Só não achamos que a Petrobras deva tornar viáveis as refinarias privadas.


– A aquisição de refinarias pequenas pode ser um caminho no Brasil?

– Você pergunta de Ipiranga e Manguinhos? Eu não vou dizer o que eles vão fazer. Isso (fusões) é um fenômeno internacional. No mundo inteiro está acontecendo, principalmente nos Estados Unidos.

– A descoberta do novo campo gigante em Campos (Papa-Terra) pode mudar a rota dos investimentos da empresa?

– Nosso plano de investimentos vai até 2010, mas estamos prevendo que Papa-Terra comece a produzir só em 2011.

– Há uma preocupação da gestão petista da empresa em desconcentrar os investimentos em exploração e produção para outras regiões do país, que não só Campos?

– Não há uma intenção política nisso. Houve, sim, uma ampliação do portfólio, com investimentos em novas áreas. E tivemos que dar prioridade às áreas concedidas pela ANP na Rodada Zero, em 1998, pois tínhamos até agosto de 2003 para devolvê-las à agência.

– Qual é a taxa de declínio da produção dos campos da empresa hoje?

– É de 10%, se nós fizermos investimentos. Na produção predominantemente de campos maduros mantivemos a produção estável em torno de 250 mil barris por dia nos últimos cinco ou seis anos, quando ela deveria declinar de 7% a 10% por ano. Tudo foi alcançado com a recuperação de campos maduros. Existe uma diferença entre campos maduros e campos marginais. Grande parte da bacia de Campos se tornará campos maduros.

– Os investimentos nas chamadas novas fronteiras exploratórias podem ficar para depois, com as grandes reservas descobertas em Papa-Terra?

– Temos hoje uma limitação no mundo que é a escassez de sondas de perfuração e exploração. Por sorte, contratamos 23 sondas agora, por meio de contratos de longo prazo. Tivemos a sorte de negociar quando os preços estavam bem menores. No mundo, as sondas têm sido contratadas, na média, por US$ 400 mil. A nossa mais cara ficou em US$ 250 mil. Evidentemente que o atual contexto mundial cria algumas limitações para o nosso programa exploratório. Tentamos contratar uma sonda para o Golfo do México, em setembro, mas não conseguimos.

– Então a Petrobras terá que ser mais seletiva na escolha de projetos de exploração?

– Mais seletivos e eficientes. Vamos diminuir o tempo de parada das sondas, administrando melhor o tempo e os recursos.

– E os testes de comercialidade em águas ultraprofundas (6 mil metros), podem ser afetados por causa desse problema?

– Já começaram. Não há como interrompê-los.

– Qual o balanço que o senhor faz depois de três anos de Petrobras? Quais as principais diferenças entre a gestão petista e a tucana?

– Um grande desafio foi superado: conquistar a confiança externa e a interna. Quanto a isso, foi um sucesso. Também tivemos algumas mudanças importantes: a primeira foi a ampliação do portfólio exploratório; a segunda foi a redefinição dos campos maduros. Também tivemos uma mudança importante com o retorno à petroquímica. Na área do Gás e Energia a diferença é grande (em relação à gestão anterior) porque limitamos a expansão da geração termelétrica. Focamos na infra-estrutura do gás e viabilizamos a expansão das energias alternativas. Também modificamos a postura nas negociações. Posso dizer que fomos muito mais pró-ativos na hora de resolver problemas e renegociar contratos, como os das plataformas P-43 e da P-48. Também aumentamos a presença do conteúdo nacional em grandes projetos de infra-estrutura, o que teve impacto importante e positivo para os fornecedores de peças e equipamentos do país e modificou profundamente a relação da empresa com seus fornecedores.

– Essa maior inserção do conteúdo nacional também não contribuiu para atrasar e encarecer projetos como de plataformas?

– Ao contrário. Diferentemente do que diziam, os projetos estão mais baratos do que empreendimentos similares do exterior. A P-51 e a P-52 são mais baratas do que as semelhantes.

Outro elemento importante foi o relacionamento interno, com a política de abertura nas negociações. O diálogo com a força de trabalho também modificou o clima com os petroleiros. Por fim, o relacionamento da Petrobras com a sociedade também melhorou, graças a trabalhos culturais, ambientais e à maior presença na imprensa.

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