Energia e Construção Civil

Mendes Júnior 'ressuscita' com Belo Monte

Valor Econômico
17/05/2010 13:44
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O leilão para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte conclui o processo de virtual ressurreição da empreiteira Mendes Júnior, empresa mineira que tocou as principais obras de infraestrutura durante o regime militar e que afundou em uma série de pendências judiciais com o setor público e o privado durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Dona de uma fatia de 3,75% no consórcio Norte Energia, a empreiteira já tenta articular a ampliação da sua participação, afirmou Jésus Murillo Vale Mendes, 84 anos, que permanece no comando da empresa.

 

A Mendes Júnior Trading cruzou no ano passado a fronteira do bilhão, ao atingir R$ 1,3 bilhão de faturamento em 2009. Conta com uma carteira de R$ 4,3 bilhões, sendo R$ 3 bilhões a receber ao longo dos próximos anos. Assim como em seu período áureo, mais uma vez é o poder público que exerce a função de pulmão da empresa. A Petrobras responde por metade dos valores a faturar. Obras públicas de infraestrutura equivalem a um terço do total.

 

O setor privado deve garantir 20% do faturamento da Mendes nos próximos anos, com os contratos em curso. A Mendes Júnior disputa as obras de expansão da Vale em Carajás (PA) e Itabirito (MG), que devem ter as empreiteiras escolhidas este ano. O empresário quer crescer com contratos para a reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014. Já ganhou a obra para a construção da arena de Cuiabá e pretende levar outras sete empreitadas. "Temos como pensar em uma carteira de R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões com a nossa atual capacidade."

 

Murillo Mendes não vê riscos em uma nova dependência do poder público. "Os agentes públicos de hoje são diferentes, porque as circunstâncias são outras. Os governantes , em princípio, querem fazer o bem para todo mundo, mas o governo é um animal selvagem. Os órgãos controladores, entretanto, se desenvolveram", comenta o empresário. O vigor das instituições, de acordo com Mendes, "permite o nível mínimo de hipocrisia para a vida social fazer-se possível".

 

É longa a relação de Murillo Mendes com o meio político, e ela promete continuar. Nos anos 60, segundo o próprio empresário, a empresa foi uma das financiadoras das campanhas de San Thiago Dantas (1911-1964), político do PTB que foi ministro da Fazenda no governo Goulart. Em 1978, financiou a campanha de Tancredo Neves ao Senado pelo MDB, mesmo com o bom entrosamento da empresa com o regime militar. No final dos anos 80, o empresário destacou-se pela amizade com o então presidente José Sarney (hoje no PMDB). Este ano, esteve em um almoço-palestra de empresários com o presidenciável José Serra (PSDB), promovido pela Fiemg. "Antes não havia mídia eletrônica e as campanhas eram muito baratas. Agora os políticos são verdadeiros astros pop e isso precisa ser financiado de alguma maneira. A vida da gente é transacional, sempre existem os interesses. Sem apoio político, qualquer empresa de construção pesada terá dificuldades", disse.

 

Há seis anos, Murillo Mendes escreveu "Quebra de Contrato", um livro co-assinado com o jornalista Leonardo Attuch em que responsabilizava o governo Fernando Henrique, em especial o Banco do Brasil, pelos problemas econômicos que quase levaram à falência do conglomerado.

 

No consórcio de Belo Monte, o grupo é sócio de uma de suas contendoras judiciais a Cia. Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), a quem acusa desde 1988 de ter provocado prejuízos ao atrasar pagamentos para a construção da usina de Itaparica. Responsável por 49% do consórcio, a Chesf impôs ao sócio minoritário uma importante derrota no 5º Tribunal Regional Federal, do Recife, apenas dez dias depois do leilão da megahidrelétrica de Belo Monte.

 

Aquela corte rejeitou o embargo declaratório da Mendes Júnior que contestava a decisão de se anular a condenação da Chesf a pagar a indenização retroativamente a juros de mercado. O valor estimado por uma perícia contábil para a indenização era surrealista: nada menos que R$ 1,2 trilhão, segundo a estatal. A Chesf alega no processo que a Mendes Júnior nunca comprovou que fez captações no mercado para financiar as obras de Itaparica. A empreiteira afirmou que irá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça. Na concorrência para Belo Monte, a Chesf em nenhum momento fez objeções à participação da Mendes Júnior, segundo Murillo Mendes.

"A Mendes Júnior Trading e Engenharia é uma pessoa jurídica distinta da Mendes Júnior Engenharia, que está processando a Chesf. Não havia porque fazer restrições. A relação está sendo boa", disse o empresário. Além da causa judicial com a Chesf, a Mendes Júnior Engenharia ainda terça armas com o Banco do Brasil nas justiças do Brasil e dos Estados Unidos em função da dívida contraída no Iraque. Na ocasião, a Mendes Junior passou a se financiar com a instituição financeira, diante da inadimplência do governo de Saddam Hussein, então o principal fornecedor de petróleo ao Brasil. Com a ruptura de relações entre Brasil e Iraque, o BB decidiu executar a Mendes Junior pela dívida não paga em 1995. A empreiteira processa o BB na justiça norte-americana por danos morais e materiais desde 1996. Existente apenas para lidar com mais de uma centena de contenciosos e com a venda de cotas em fundos de direitos creditórios, a Mendes Junior Engenharia não é mais operacional.

 

Apesar do foco direcionado para o mercado doméstico, a empresa planeja voltar a atuar no exterior, prestando serviços para a Petrobras. "Nosso grande ativo é a mão de obra profissionalizada que temos e sabemos que a Petrobras pretende extrair na costa oeste da África, em Angola, Guiné e na Nigéria", comenta o vice-presidente da empresa, Sérgio Mendes, que é sobrinho do empresário mineiro.

 

Outra diretriz é procurar crescer em São Paulo, a sede formal da Mendes Junior Trading, embora o comando da empresa fique em Belo Horizonte. "Nossa carteira de obras lá é pequena, mas o potencial é muito grande. São Paulo é o grande vetor da construção pesada. Quem não se estabelece em São Paulo, não existe", afirmou Murillo Mendes.
 

 

 

Por   César Felicio, de Belo Horizonte

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