Gás

Bolívia fica sem alternativas claras de novos mercados

Valor Econômico
05/10/2009 14:03
Visualizações: 114

A Bolívia está sem uma alternativa clara para o seu principal recurso natural. Três anos e cinco meses após a nacionalização do setor de hidrocarbonetos pelo presidente Evo Morales, o que gerou muita incerteza no setor, o país não tem hoje para quem vender mais gás – além daquilo que já exporta aos clientes atuais.

 


A Bolívia produz hoje cerca de 40 milhões de m3 de gás natural por dia. Entre 21 milhões e 22 milhões vêm para o Brasil – menos do que o máximo alcançado no ano passado de 31 milhões de m3, teto do contrato entre os dois países. Outros 7 milhões servem ao mercado interno; a Argentina fica com de 6 milhões a 6,5 milhões; e ainda sobram cerca de 5 milhões.

 


Mas tanto Brasil quanto Argentina, os dois principais clientes externos da Bolívia, estão buscando fornecedores alternativos. Ambos, assim como o Chile, investem em unidades de regaseificação, o que permitirá a compra de gás liquefeito que, retransformado, terá uso doméstico e industrial.

 


O movimento pelo GNL indica uma tendência que preocupa La Paz: a provável redução dos mercados do gás da Bolívia. O governo de Evo Morales sabe disso e tem buscado atrair novos clientes.

 


Há pelo menos meia dúzia de possibilidades: a Argentina, que poderia passar a ampliar suas importações; novos clientes no Brasil, além da Petrobras; a indiana Jindal, que um dia poderá usar o combustível para processar o minério de ferro que explora em solo boliviano; a Braskem, que voltou a discutir com o governo a construção de um polo gás-químico para a produção de insumos para a indústria do plástico; o início do processo de liquefação para uma possível exportação para a costa oeste americana; e, por fim, o mercado do Chile, carente de energia.

 


O problema para os bolivianos é que todas essas alternativas são de médio ou longo prazo – isso na melhor das hipóteses.

 


“Para ter um aumento significativo na exportação, é necessário, em primeiro lugar, mais um gasoduto. A Argentina seria o principal alvo”, diz Erasto Almeida, analista sênior da consultoria Eurasia Group.
Os argentinos realmente precisam de mais energia. No último inverno chegaram a queimar diesel para compensar a quantidade insuficiente de gás.

 


Falta, porém, estrutura de transporte. “Em 2010 já era para ter um gasoduto pronto, mas ele nem começou a ser construído.” A capacidade do duto em funcionamento, que hoje liga os dois países, é de 7,7 milhões de m3/dia. Este ano a Argentina vem comprando cerca de 6,5 milhões de m3 por dia, diz Almeida.

 


Uma nova ligação não seria obra complexa. São cerca de 50 km em território boliviano e mais 100 km em solo argentino, o que permitiria a conexão a outras redes que levam até as cidades. O que parece mais complexo é financiar a obra, pois os dois governos sofrem com queda da receita fiscal e têm dificuldade de levantar dinheiro no exterior.

 


Em agosto, uma missão da Braskem visitou o Departamento de Santa Cruz para retomar as negociações – iniciadas em 2007 e logo interrompidas. A ideia é a construção de um polo gás-químico na Bolívia, que venha a produzir insumos para a indústria de plástico. Seria um passo importante para geração de empregos na Bolívia e daria ao país uma possibilidade de industrializar seu gás, uma das bandeiras defendidas pelo partido de Morales, o Movimento ao Socialismo.

 


O entrave, segundo uma autoridade brasileira que está familiarizada com as conversações, é que “há resistências na YPFB [a estatal de hidrocarbonetos] em fazer avançar esse acordo porque o gás teria de ser vendido a US$ 1,25 o milhão do BTU, enquanto que, para a Petrobras, o preço é de US$ 4,80″. Embora no futuro a industrialização fosse gerar mais bens de maior valor agregado do que o gás natural, para a contabilidade imediata da YPFB não parece essa ser um opção atraente.

 


Ainda assim, segundo a mesma autoridade, há a expectativa de que no fim do ano o acordo possa ser assinado. Se isso de fato acontecer e se as fases seguintes da parceria se acelerarem, a fábrica só estaria em funcionamento daqui a quatro anos.

 


Outra empresa brasileira que poderá ajudar a Bolívia a diversificar sua lista de compradores é a termelétrica Pantanal. Ela discute com o governo boliviano a compra de 1 milhão a 2 milhões de m3/dia, mas também esbarra no fator preço. Se for comprar o gás a US$ 4,80, será praticamente inviável para a empresa revender a energia no Brasil.

 


Nos bastidores das negociações com as empresas, há uma queixa recorrente em relação ao governo Morales: a de que os representantes bolivianos parecem volta e meia dispostos a voltar atrás ou a cogitar a participação da China ou da Venezuela nos negócios.

 


A Petrobras está fora do baralho como alternativa ao aumento das exportações bolivianas. Nada indica que a empresa considere seriamente a possibilidade de construir um novo gasoduto para garantir maiores envios da Bolívia. A empresa deve priorizar a exploração dos campos de gás descobertos recentemente no Brasil.

 


O que pode sim dar um novo impulso à produção de gás boliviana é a demanda interna. A mineradora indiana Jindal Steel está iniciando suas atividades exploratórias na Bolívia, onde extrairá ferro da reserva de Mutún.

 


A empresa calcula que quando estiver funcionando a todo vapor precisará de cerca de 7 milhões de m3 de gás – o que aumentaria a demanda interna em 100%.

 


O brasileiro José Magela Bernardes, presidente da Câmara de Hidrocarbonetos da Bolívia, diminui no entanto as expectativas do negócio, lembrando que os preços do ferro estão depreciados e isso certamente desestimula investidores.

 


Talvez as mais remotas opções ao gás boliviano sejam as que levam em conta o Chile – com que a Bolívia mantém diferenças políticas históricas motivadas pela guerra que resultou na perda da saída para o mar da Bolívia. Uma das opções seria vender gás ou levar energia elétrica para o Chile.

 


A outra seria construir uma unidade de liquefação em território chileno ou em território peruano, para dali exportar gás líquido para a Costa Oeste dos EUA – cliente natural para quem está no oeste da América do Sul.

 


Por razões técnicas e topográficas, seria mais fácil para os bolivianos negociar com o Chile. Mas vencer as diferenças políticas parece hoje ser mais difícil do que qualquer obstáculo técnico.

 


Apesar de todas as limitações, multinacionais continuam interessadas na riqueza energética da Bolívia. Segundo Bernardes, a pedido do governo, todas as empresas de energia que atuam na Bolívia – BG, Petrobras, Repsol, Panamerican, Total, Plus e Petrol – apresentarão em 26 de novembro seus planos de investimentos no país. “Nos últimos três ou quatro anos vivemos muita instabilidade política e social, o que causou muito medo no mercado e falta de confiança das empresas e dos investidores.

 


Hoje, temos uma processo de nacionalização consolidado”, diz ele. “No que diz respeito à Bolívia, não há nenhum fator muito crítico que possa afugentar os investimentos. A Bolívia tem reservas e tem potencial para aumentar sua produção. O fator crítico é o mercado”, disse.

 


A câmara estima que, se as empresas mantiverem seus ritmos de exploração e fizerem novos investimentos, em 2012 o país terá condição de produzir 50% a mais de gás do que produz hoje – saindo dos 40 milhões de m3 para 60 milhões de m3. “Mas isso desde que haja mercado.” Hoje esse cenário não parece promissor.

Mais Lidas De Hoje
Veja Também
Newsletter TN

Fale Conosco

Utilizamos cookies para garantir que você tenha a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você concorda com a nossa política de privacidade, termos de uso e cookies.

20