Pesquisa

RCGI atua em três grandes frentes de tecnologia para produção de hidrogênio

Produtos ou subprodutos do setor sucroalcooleiro, como o etanol e a vinhaça, são as matérias-primas usadas nos projetos em andamento.

Redação TN Petróleo/Assessoria
13/04/2023 15:27
RCGI atua em três grandes frentes de tecnologia para produção de hidrogênio Imagem: Divulgação Visualizações: 1018 (0) (0) (0) (0)

Três grandes frentes de pesquisa do Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), centro financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Shell, envolvem tecnologias para a produção de hidrogênio – apontado como uma importante fonte de energia e combustível do futuro por não emitir gases de efeito estufa nem outros gases poluentes quando utilizado.

As três rotas produtivas estudadas pelo centro de pesquisa com sede na Universidade de São Paulo (USP) utilizam como matéria-prima produtos ou subprodutos do setor sucroalcooleiro, como o etanol e a vinhaça. “No cenário nacional, uma oportunidade brasileira com hidrogênio se encontra ao redor das usinas de cana-de-açúcar”, aponta o químico Thiago Lopes (foto), pesquisador do RCGI e professor da Escola Politécnica da USP.

Atualmente, a maior parte do hidrogênio produzido no mundo usa combustíveis fósseis no processo – basicamente, a reforma do gás natural em refinarias de petróleo e unidades petroquímicas, seja para a hidrogenação de combustíveis líquidos ou para a produção de fertilizantes. É o chamado hidrogênio cinza porque, na maioria das vezes, o carbono emitido para a atmosfera em seu processo de produção não é compensado. Ou seja, o hidrogênio produzido carrega uma pegada de carbono.

Corrida mundial – No mundo, há uma corrida tanto para ampliar a utilização do H2 como energético como para desenvolver tecnologias que diminuam essa pegada de carbono em paralelo à redução dos custos. Essa corrida vai no sentido de escalar a produção de um hidrogênio dito verde, proveniente de fontes de energia renováveis. “São bastante conhecidas as rotas que partem da eletrólise da água, um processo eletroquímico que emprega eletricidade para decompor a água em oxigênio e hidrogênio, seus elementos constituintes. No RCGI, busca-se explorar rotas alternativas que partem de insumos gerados pelo setor sucroalcooleiro”, explica Lopes.

Embora o hidrogênio seja o elemento mais abundante na Terra, em condições normais de temperatura e pressão ele raramente é encontrado isolado. Em geral, está ligado a outros elementos, como na água (H2O) ou metano (CH4) ou etanol (C2H6O), e é necessária alguma forma de energia para obtê-lo em sua forma pura (H2).

Tecnologias disruptivas – No RCGI, a pesquisa que está em fase mais avançada é a que utiliza calor para converter etanol em hidrogênio, em um processo de reforma térmica. Em junho de 2023, deve ficar pronta uma planta piloto, que produzirá hidrogênio a partir do etanol na Cidade Universitária, na capital paulista. “A estação experimental suprirá um ônibus a célula combustível, alimentado com hidrogênio, que constitui outro projeto de pesquisa do RCGI. Para todos os efeitos, essa estação funcionará como se fosse um posto de combustível para esse ônibus, podendo, no futuro alimentar outras unidades de consumo exclusivas do campus da USP” afirma Lopes.

Por enquanto, será uma Estação Experimental de Abastecimento de Hidrogênio. A construção da planta conta com as parcerias das empresas Raízen, Hytron e do Senai Cimatec. O investimento da Shell Brasil no projeto é de aproximadamente R$ 50 milhões. A previsão é de que sejam produzidos 5 quilos de hidrogênio por hora, que permitirão abastecer um total de três ônibus na Cidade Universitária. O primeiro entrará em circulação este ano.

Um segundo projeto do RCGI desenvolve uma tecnologia alternativa para converter o etanol em hidrogênio via reforma eletroquímica. “Enquanto na estação experimental de abastecimento de hidrogênio é utilizado calor, de uma fonte térmica, para fazer a conversão, nesse segundo projeto são usados elétrons. Neste sentido, nos aproximamos dos processos baseados na eletrólise da água”, detalha Lopes, ressaltando que a ciência ainda está no nível de pesquisa fundamental para essa rota tecnológica.

O projeto Uso eficiente de etanol para produção de hidrogênio e eletricidade é coordenado pelo engenheiro químico Hamilton Varela, professor titular e atual diretor do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP). A etapa mais complexa do mecanismo é a reação de oxidação do etanol e os pesquisadores buscam descobrir catalisadores que favoreçam a quebra da molécula do etanol. Ainda há necessidade de muita pesquisa para o desenvolvimento de um reformador eletroquímico eficiente e de baixo custo. Neste projeto, a equipe do IQSC-USP abordará a utilização de etanol e outras biomoléculas tanto para a geração direta de energia em células a combustível quanto para a produção de hidrogênio. Os estudos envolvem aspectos fundamentais e aplicados em uma ampla faixa de temperatura.

Uma terceira frente de pesquisas, coordenada por Lopes, busca o melhor aproveitamento da vinhaça (o resíduo líquido da produção de etanol, que é produzido em uma escala de cerca de 10 a 14 litros para cada litro de etanol produzido, e possui 95% de água em sua composição). A vinhaça é um composto complexo, que contém em sua composição uma elevada quantidade de matéria orgânica e potássio, sendo usada pelo setor sucroalcooleiro como adubo e fertilizante verde, mas podendo também gerar poluição severa no solo e em corpos hídricos.

A rota tecnológica explorada pelo RCGI requer a concentração da vinhaça, através do uso de um reator eletroquímico, que reduzirá a concentração de água e gerará hidrogênio (verde) e oxigênio. Uma patente desse processo já foi depositada pelo grupo. “Se for bem-sucedida, teremos, no longo prazo, uma tecnologia bastante disruptiva, pois habilitará o setor sucroalcooleiro a um ciclo virtuoso muito interessante”, diz o pesquisador. “Se adicionarmos o oxigênio e o hidrogênio como produtos a este setor, poderemos definitivamente dar um passo significativo na conversão das atuais usinas de etanol em biorrefinarias equivalentes à atual indústria petroquímica. Poderemos produzir qualquer molécula, de maneira verde.”

Vantagens em logística – “A vantagem de todos esses modelos tecnológicos é que eles eliminam os desafios do transporte e estocagem do H2, que exige compressão ou liquefação para sua movimentação via carretas (ou, em escalas maiores, via gasodutos), bem como armazenamentos em cilindros de alta pressão ou criogênicos [baixíssimas temperaturas]”, afirma o pesquisador do RCGI Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP. “O etanol já se encontra na forma líquida e dispõe de ampla e consolidada logística de suprimento no país [e em outras nações]. Já o descarte da vinhaça é uma dificuldade atual para as usinas de etanol e poderá ser parcialmente convertida em combustível do futuro. Eventualmente, pode-se prever consumos do hidrogênio nos próprios locais de produção.”

A tecnologia do concentrador de vinhaça é a única das três do RCGI que inclui, entre as suas etapas, a eletrólise da água – para gerar, além de hidrogênio, oxigênio. Ao redor do mundo, é nesse processo de eletrólise da água, utilizando eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis, como solar e eólica, que países como China, Estados Unidos e membros da União Europeia apostam suas fichas para a obtenção do H2 verde. O acesso a fontes de água doce (ou necessidade adicional de dessalinizar água do mar) é um principal desafio dessas apostas. Na rota explorada pelo RCGI, a água já se encontra em condições relativamente degradadas, na forma de vinhaça, e, portanto, há um elemento de sustentabilidade adicional a ser considerado quando se busca trabalhar com esse insumo.

Mercado global – Visto como crucial em processos de transição energética de muitas nações e do mundo, rumo à eliminação das emissões de gases que provocam o efeito estufa (como o CO2), o hidrogênio pode, adicionalmente, ser usado como forma de armazenar a energia produzida por fontes intermitentes, como a eólica e a solar e a própria biomassa. Por exemplo, com a disponibilização de hidrogênio, as usinas de etanol podem aumentar suas capacidades de geração de eletricidade mesmo nos períodos fora de safra. “A oportunidade de ampliação das commodities verdes, como o metanol, produzidas pela usina com, por exemplo, hidrogênio verde e CO2 da fermentação do etanol, trariam vantagens de liderança de mercado para a usina”, comenta Lopes.

Há grande interesse de uso do H2 também nos setores de transporte, principalmente rodoviário, mas também em serviços marítimos, bem como em setores industriais de difícil descarbonização como o mineral, siderurgia e produção de cimento. Alguns estudos, analisando cenários hipotéticos futuros, projetam que, na comparação entre os carros elétricos atuais, equipados com grandes baterias, e os movidos a células a combustível com hidrogênio verde, essa segunda forma tende a se apresentar como mais eficiente, mais econômica e mais limpa, quando olhadas dentro dos ciclos de vida dos produtos.

“A Alemanha já norteou o seu futuro energético indo para o hidrogênio. Essa decisão se acelera com as ameaças geopolíticas (guerra Rússia x Ucrânia) impostas a seu suprimento de gás. O país já mapeou e viu que não consegue produzir domesticamente todo o H2 de que precisará. Portanto, investidores alemães têm promovido programas de investimento em outros países também, visando, um dia, importar o hidrogênio”, diz Lopes. O pesquisador vê que o uso da tecnologia nacional, aproveitando a estrutura do setor sucroalcooleiro, poderá se inserir nessa nova economia global do hidrogênio, trazendo vantagens econômicas para o país.

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