Bolívia

"Queremos ser o sócio mais importante do Brasil", diz vice-presidente boliviano

Valor Econômico
15/05/2006 03:00
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Apesar das agressivas declarações contra o governo brasileiro e a Petrobras, feitas pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, em Viena na semana passada, o Brasil continua sendo um parceiro mais importante para os bolivianos do que a Venezuela. O governo Morales quer chegar a um acordo que contente ambas as partes nas negociações técnicas entre a Petrobras e a estatal YPFB que começam hoje em La Paz, para que possa vender mais gás ao Brasil e viabilizar novos investimentos no setor. E espera a "compreensão" do povo brasileiro para a necessidade da Bolívia aumentar o preço do gás.

As afirmações são do vice-presidente boliviano, Alvaro García Linera, que, no mesmo sábado em que Morales manteve um encontro de pacificação com o presidente Lula, chamou a imprensa brasileira na sede do Palácio Quemado, sede do governo, para uma uma longa entrevista. Anunciou que amanhã vai divulgar as linhas gerais do plano de reforma agrária, que é a segunda parte do plano econômico do governo (a primeira foi a nacionalização dos recursos naturais) que, confirmou, será conhecido no fim do mês. Linera contou que recebeu um telefonema anteontem pela manhã de Morales avisando que ficou acertado com Lula uma visita do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, esta semana a La Paz, "para viabilizar e acelerar os diálogos e as negociações". A seguir, os principais assuntos da entrevista.

Reforma agrária

Este é um dos pontos que mais preocupam os produtores de soja brasileiros. Solicitado a antecipar as linhas gerais do plano que será divulgado amanhã, Linera disse apenas que "produtores que tenham função social, sejam bolivianos, sejam brasileiros, sejam polacos, terão garantia de segurança e produção. Mas o proprietário que usa a terra de forma especulativa será submetido a um ajuste".

Indenização à Petrobras

Linera insistiu que não estão sendo expropriados maquinários, equipes ou instalações da Petrobras, mas sim o que sai "na boca do poço". "Tomamos 100% do gás que sai da boca do poço. É nosso, todo, 100%. E sobre essa propriedade vamos ver quanto se gastou em capital, exploração, no maquinário, os ganhos, e sobre isso indenizamos. Antes era o contrário. Há que se pagar algum tipo de indenização. No caso das refinarias, será definido o valor das ações, considerando a depreciação dos investimentos. Em algumas refinarias são os mesmos sistemas técnicos desde 1978, quando foram construídas, não houve grandes investimentos. Por isso é preciso estudar e conciliar."

Reajuste do gás

"A questão dos preços será um acordo bilateral, não se define preços por decreto. Há um contrato entre Bolívia e Brasil e vamos cumprir. Isso está garantido, assim como está garantido o abastecimento permanente de gás ao Brasil. O interesse da Bolívia é que se aumentem os preços da venda de gás." O vice-presidente disse que um dos parâmetros para a definição do preço que será proposto pela YPFB é o que ele chama de "combustíveis substitutos", ou seja, o que o Brasil teria de comprar para substituir o gás boliviano na hipótese de suspensão do contrato de fornecimento. "Os estudos que nós temos mostram que os combustíveis substitutos custam em torno de US$ 7. Não necessariamente essa será a proposta que a YPFB vai levar, temos de conciliar. Repito, é um acordo bilateral, não é uma imposição, a Petrobras tem de estar de acordo com isso, se não não se pode aplicar."

Planos para o Brasil

"A Bolívia quer vender mais ao Brasil, construir um novo gasoduto, melhorar os preços e ser o sócio mais importante de abastecimento energético. Queremos iniciar empreendimentos de industrialização de gás em território boliviano, petroquímico, instalações de separação de gás, geração de termelétricas para o mercado brasileiro. Mas para isso é preciso ver o que o Brasil necessita, o que o Brasil está disposto a avançar, a acordar e encontrar o preço médio."

Compreensão do povo

"Pedimos ao povo brasileiro acompanhamento e compreensão. Quando falamos em aumentar em US$ 1 no preço do gás para o Brasil, para a Bolívia significa US$ 300 milhões. Esse dinheiro paga os salários, fecha o nosso déficit fiscal histórico. Para o Brasil, para a Petrobras, que tem um ingresso de quase US$ 10 bilhões ao mês, é pouco. US$ 300 milhões não vão desequilibrar o mercado brasileiro, mas para nós é muito."

Auditorias nas petroleiras

Linera afirmou que as auditorias nas petroleiras começaram há dois meses e em dois campos de exploração da Petrobras (San Alberto e San Antonio), já foram concluídas. Os relatórios mostram que os investimentos feitos (perfuração, extração) já foram recuperados anos atrás. As auditorias vão determinar casos em que em alguns campos de exploração haja maior ou menor ingresso do Estado. "Se ficar provado que tal campo tem um nível de rentabilidade mais baixo e requer temporariamente uma redução dos níveis para o Estado, estaremos dispostos a trabalhar com essa possibilidade." Ele disse ainda que as negociações serão feitas empresa a empresa. "Não vamos aceitar sindicatos de empresas petroleiras."

Discurso agressivo

O vice-presidente da Bolívia afirmou, sobre os últimos ataques do presidente Morales ao Brasil, que "é importante verificar o contexto das declarações". "Uma decisão de um Estado, forte em termos de implementação de soberania, aplicada a algumas das empresas petroleiras mais importantes do mundo, começando por Petrobras. De alguma maneira colocamos um grão em uma engrenagem de um processo de liberalização e neo-liberalismo no mundo. É este o contexto que explica esta atitude forte de nossos funcionários, do nosso presidente, porque se trata de começar a modificar a roda da história. Em termos históricos estamos muito otimistas e muito orgulhosos, em termos práticos sentimos o peso das pressões, então isso requer uma linguagem mais militante, mais agressiva."

Impostos

Questionado se poderia, na negociação com a Petrobras, reduzir o imposto de 82% (determinado no decreto de nacionalização) - que segundo a empresa é muito alto e inviabiliza o pagamento de salários e custos da operação - Linera disse: "Temos informes que nos asseguram que os 82% são sustentáveis. Mas vamos ouvir os argumentos da Petrobras. Estamos dispostos a modificar nossos critérios se nos provam cifras distintas."

Relação com a Venezuela

Linera disse que a Venezuela de Hugo Chávez é vista pelos bolivianos como "um país irmão", com o qual estão trabalhando um conjunto de acordos. "Mas também estamos cientes de que os acordos com o presidente Chávez não vão substituir nunca os acordos que temos e continuaremos a ter com o Brasil. Os acordos energéticos que temos (com a Venezuela) incluem uma unidade de separação de gás, uma de polímeros. São investimentos de US$ 70 milhões, US$ 80 milhões. E com Petrobras temos US$ 1,5 bilhão em acordos."

Acordos internacionais

O vice-presidente disse que a intenção é "trabalhar complementariedades com todo mundo, com Estados Unidos, com Brasil, com Venezuela, com Cuba, Argentina, com todos que vão beneficiar o país. Sobre a intenção de fechar um acordo comercial bilateral com os Estados Unidos, afirmou: "Temos de trabalhar com a sra. Condoleeza Rice em acordos comerciais que não asfixiem a pequena economia."

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