Protelação das metas de redução de GEE e maior participação das renováveis.
Valor Econômico
A grande questão energética no mundo é a de como atender a demanda crescente de energia elétrica - segundo dados do World Energy Council (2013) existem no mundo 1,2 bilhão de pessoas sem acesso à energia elétrica - e, ao mesmo tempo, reduzir o aquecimento global. Este trilema se deve ao fato de que a matriz elétrica mundial está assentada em fontes não renováveis e poluidoras e continuará com este perfil preponderantemente até 2035, conforme atestam os dados do último relatório anual da IAE - Agência Internacional de Energia - dos Estados Unidos. Segundo esse relatório, em 2011 a geração de energia elétrica era determinada por matriz com 80% de fontes poluidoras, com predomínio do carvão mineral e gás natural. Para 2035, as estimativas indicam redução das fontes não renováveis para somente 69%, valor que atesta a magnitude e importância que a política energética mundial terá que enfrentar.
Até 2008 havia um esforço mundial, capitaneado pelos países que formam a União Europeia, para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) por meio de três vertentes de políticas públicas. A primeira consistiu nos programas de eficiência energética, estimulando a redução do consumo, seja pela mudança dos hábitos culturais de consumo de energia elétrica, seja pelo incentivo à produção de equipamentos e instalações com menor densidade elétrica. A segunda, mais ambiciosa, é alterar a composição da matriz elétrica por meio do aumento da participação das fontes renováveis, notadamente eólica e solar, na matriz. Uma terceira vertente relaciona-se com a aplicação de inovações tecnológicas vinculadas aos conceitos de smart grid e smart cities. Esses programas mostram a possibilidade de criar uma convergência entre as políticas de eficiência energética e matriz renovável.
O que se constata é a protelação das metas de redução de GEE e da maior participação das fontes renováveis
A crise econômica financeira de 2008 provocou um impacto negativo nessas políticas. Por um lado, ocorre uma forte redução na capacidade financeira para investir nestes programas; por outro lado, na busca de competitividade, a comparação econômica entre as fontes de geração de energia elétrica com emissão de GEE, vis à vis às novas tecnologias e fontes renováveis, mostra que o padrão poluidor é mais econômico. Assim, passou a prevalecer e ser priorizada a questão econômica frente à ambiental.
Esta reversão é bem nítida e visível nas conferências internacionais que objetivam estabelecer metas para redução da emissão de gases de efeito estufa e políticas a serem seguidas pelos países, em especial os países mais ricos, que têm um imenso passivo de emissões acumulado. A partir da crise de 2008, a diplomacia internacional que procura definir e impor políticas ambientais em escala mundial passou a sofrer reveses contínuos, resultando em muita discussão sem resultados concretos. Ao contrário, o que se constata é a protelação das metas de redução de GEE e da maior participação das fontes renováveis na matriz.
Um exemplo destes adiamentos é a politica da União Europeia do 20+20+20: reduzir as emissões em 20%, aumentar a participação das fontes renováveis para atingir 20% da matriz, metas que seriam atingidas em 2020. Portugal e Espanha, por exemplo, vem abandonando gradativamente a política de incentivar novas plantas eólicas e solares por conta do aumento dos custos que estas fontes impõem à sociedade, já que elas recebiam tarifas incentivadas, em valor muito superior às fontes convencionais e não renováveis. O resultado desta política é que a diferença de custo abriu um déficit tarifário de bilhões de euros sem solução no curto e médio prazo.
Os EUA estão conseguindo reduzir as emissões de GEE através da geração de eletricidade usando o gás natural não convencional. Graças a uma rede de gasoduto com mais de 100 mil quilômetros e de investimentos em tecnologias inovadoras que estão permitindo retirar gás (e petróleo) em volumes crescentes, há uma consistente política energética em curso com o objetivo de substituir a geração de carvão pelo gás natural. Aplica-se uma penalização crescente às usinas térmicas a carvão, que em 2011 detinham 43% da geração de eletricidade, favorecendo a construção de usinas a gás natural. Desta forma, há um vetor de diminuição dos GEE emitidos para geração de eletricidade, sem que a segurança energética, variável estratégica da geopolítica mundial norte-americana, seja afetada, pois se está trocando o consumo do carvão pelo de gás natural, ambos produzidos internamente.
Outro exemplo da primazia da variável econômica - custos competitivos - frente à política ambiental e de aquecimento global encontra-se na China. Este país não assumiu nenhum compromisso com metas para os GEE e tem priorizado a segurança energética investindo maciçamente em novas usinas a carvão. Em relação à ampliação das fontes renováveis na sua matriz, associou esta política com uma política industrial e tecnológica muito agressiva na qual o componente das exportações é estratégico para dar escala e reduzir custos.
Desta forma, pode-se constatar que a política energética mundial tem pela frente um desafio ímpar, que é buscar a conciliação entre garantir oferta de energia elétrica a custos competitivos, buscar mitigar os impactos ambientais, em especial a diminuição do aquecimento global, e, ao mesmo tempo, inserir bilhões de pessoas no mundo civilizado de energia estável e contínua. Nesse cenário meio sombrio, o Brasil é um formidável ponto fora da curva,já que, nos últimos dez anos, realizamos o Programa Luz para Todos e temos uma enorme proporção de nossa produção de energia elétrica oriunda de fontes renováveis, limpas e mais competitivas.
Sergio Malta é economista e presidente do Sinergia - Sindicato das Indústrias de Energia Elétrica do Rio de Janeiro.
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