Entrevista Exclusiva

O Brasil é um dos ambientes mais promissores para fusões e aquisições, com Raphael Moura da ANP

Redação TN Petróleo, Beatriz Cardoso
09/10/2020 19:29
O Brasil é um dos ambientes mais promissores para fusões e aquisições, com Raphael Moura da ANP Imagem: Raphael Moura, da ANP Visualizações: 801

É o que destaca Raphael Moura, diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP ), nessa entrevista exclusiva à TN Petróleo, na qual garante que o “Brasil é um dos ambientes mais promissores para M&As (Mergers & Acquisitions, fusões e aquisições), gerando oportunidades para empresas de diversos perfis”.

TN Petróleo - O papel da ANP ganhou novos contornos nos últimos anos, agregando valor a agência e posicionando-a também como uma promotora do desenvolvimento do setor e da própria indústria, devido principalmente à cláusula de PD&I. O que você vê como mais desafiante nesse processo, principalmente no que diz respeito ao papel da ANP no chamado novo normal?

Rapahel Moura - O papel da ANP é exatamente regular em prol do desenvolvimento da indústria e em benefício da sociedade. Parece simples, mas não é. Nosso dia a dia é de muito trabalho, com o objetivo de estabelecer medidas de atração de investimentos, através da construção de uma regulação justa e moderna, que reduza a percepção de risco ao ambiente regulatório no Brasil e que suporte a operação de uma indústria eficiente, segura e sustentável. Tais ações formam os alicerces para a promoção do desenvolvimento do setor, o que já gerou muitos resultados. No upstream, por exemplo, as rodadas realizadas entre 2017 e 2019 resultaram na contratação de cerca de 70 mil km² (quase duas vezes a Suíça) em áreas exploratórias, e no recolhimento de R$ 112 bilhões em bônus de assinatura.

No entanto, a pandemia imprimiu um ritmo de maior competição global por investimentos, trazendo a necessidade de acelerar a transformação do nosso mercado. A crise na demanda gerou o colapso do preço do petróleo, o que tornou os recursos escassos e, portanto, contando com maior seletividade, por parte dos investidores. Saímos dos US$60 a US$70 normalmente considerados em análises de novos projetos, para algo em torno de US$40. Atrair investimentos que se justifiquem, nesse patamar, e ainda considerando as incertezas atreladas à demanda, é um grande desafio para todos os países. Requer, além de potencial geológico e/ou de mercado, muita criatividade e agilidade de governos, reguladores e legisladores, para a proposição de medidas que poderão ajudar a reduzir o impacto no setor, como, por exemplo, fez a Noruega no E&P, ao oferecer incentivos tributários para manter os investimentos no curto e médio prazo. No Brasil, ações como essa possuem o condão de não apenas garantir a atratividade de novos contratos e negócios nos diversos segmentos da Indústria, mas também a manutenção dos investimentos em áreas já contratadas, minimizando qualquer desaceleração na retomada da Indústria.

Adicionalmente, a crise da COVID-19 também veio para acelerar outros processos que já estavam em discussão. Um deles, por exemplo, é a transformação digital, que já vinha ocupando espaço relevante na estratégia de PD&I das empresas, e certamente, irá ganhar um novo impulso. Nesse quesito, nosso desafio é garantir que a regulação dos recursos de PD&I no E&P acompanhe essas transformações. A ANP fez uma primeira revisão da regulação de PD&I e uma segunda revisão está a caminho.

Outra discussão que ganhará um novo ritmo é a da transição energética, e o grande desafio será incorporar uma agenda clara de sustentabilidade, e que possa estar alinhada com a preocupação da sociedade com relação à redução de emissões de carbono. Temas como eficiência energética, CCS – Captura e Armazenamento de Carbono, a redução de perdas e queima de gás, e a inserção dos combustíveis renováveis estarão em pauta, para mantermos a licença social da Indústria para operar. Nesse cenário, é importante também pontuar o papel do gás natural no processo, o que traz certa urgência da agenda de abertura do mercado no Brasil.

Quais são os principais cenários que você destacaria na indústria brasileira de óleo e gás como relevantes para o futuro dela nessa década: águas ultraprofundas? Pré-sal, revitalização de campos maduros offshore e onshore, transformação no downstream e no midstream, avanço do gás natural com a definição do marco regulatório?

Eu diria que todos são relevantes. A indústria do petróleo tem um enorme potencial no Brasil, ainda pouco desenvolvido, nos diversos elos da cadeia. São players diferentes, atuando em cada segmento do mercado. É preciso que a regulação seja constantemente aprimorada para garantir oportunidades de negócios ao maior número de agentes, de forma que a sociedade brasileira seja beneficiada com a geração de empregos, renda e tributos.

O que os torna os cenários mais relevantes dessa indústria?

A EPE estima que em 2030 o Brasil produzirá 5,26 milhões de barris por dia de petróleo, dos quais 80% se referem somente ao pré-sal.

O desenvolvimento da margem equatorial pode se concretizar em uma importante fonte de recursos e de geração de riquezas e ainda temos importantes fronteiras exploratórias, como as áreas além das 200 milhas náuticas da bacia de Santos.

Divulgação

A revitalização de campos maduros no offshore propiciará, por exemplo, a retomada da bacia de Campos, com impactos diretos em municípios do RJ como Macaé. Recentemente, a ANP divulgou que a entrada de novos players em águas rasas dessa bacia representa um aporte de mais de R$ 10 bilhões em novos investimentos. No onshore, a revitalização dos campos maduros representa a oportunidade de retomar o crescimento da curva de produção terrestre, que hoje se encontra abaixo dos 100 mil barris por dia. Para se ter uma ideia, desde janeiro de 2018, em torno de 1.000 poços produtores deixaram de produzir, o que denota a falta de priorização desses ativos. O cenário já começou a mudar com a entrada dos pequenos e médios operadores, com foco no aumento do fator de recuperação dessas áreas. O Brasil ainda ganhará com a geração de emprego e renda em regiões de baixo IDH, pois as atividades terrestres são mais intensivas em mão-de-obra e demandam um mercado de bens e serviços voltados à necessidade de um ativo de menor porte.

A transformação no downstream, decorrente do desinvestimento da Petrobras e da agenda de competitividade e abertura de mercados, gera um ambiente mais propício a investimentos no parque de refino, distribuição e logística, o que tem impactos positivos na garantia do abastecimento nacional e na disponibilidade dos produtos ao consumidor a preços competitivos.

A nova Lei do Gás e as medidas infralegais fomentarão um mercado extremamente importante para o crescimento econômico do país, oportunizando a oferta de energia e de matéria-prima a preços competitivos para a indústria, com grandes benefícios para o consumidor.

Ou seja, é preciso destravar todos esses segmentos para permitir que a indústria possa se desenvolver na medida do seu enorme potencial.

Desinvestimentos da Petrobras representam também um cenário a se considerar nos próximos 2 ou 3 anos. Quais são os principais aspectos desse desinvestimento que voce acredita que vão mudar a configuração da atual indústria?

O desinvestimento da Petrobras já é uma realidade, e representa a maior transformação do setor nos últimos 25 anos. Isoladamente, a notícia já seria boa para cada um dos segmentos em que a Petrobras está desinvestindo, pois significa a entrada de maior quantidade de agentes e, portanto, a redução de distorções, por meio da formação de mercados mais competitivos e mais atrativos. Mas o maior poder de transformação advém justamente do caráter abrangente do plano de desinvestimento, que inclui desde blocos exploratórios até ativos no abastecimento. Os segmentos da nossa indústria são interconectados e, por isso, quando um dos elos da cadeia tem um único agente dominante, há efeitos negativos à montante e à jusante.

Revista TN PetróleoPara ficar em apenas um exemplo: na área do abastecimento, hoje, a concentração dos ativos em um único agente desincentiva a construção de refinarias por outras empresas. Mas os efeitos se estendem também ao segmento de logística de importação de combustíveis, que teme investir em terminais que podem se tornar antieconômicos, caso, no futuro, os preços de venda nas refinarias deixem de acompanhar o mercado internacional. Por outro lado, as empresas interessadas em campos de pequena e média produção se sentem desincentivadas a produzir, caso não possuam alternativas de escoamento e venda da produção senão um único agente de mercado, que, naturalmente, passa a ter grande poder de mercado, para definir o preço de compra do produto e de prestação de serviços de tratamento.

Com a diversidade de agentes, todos esses mercados funcionarão melhor, pois a formação dos preços de compra do óleo e de venda dos combustíveis ocorrerá em ambiente concorrencial. Ao mesmo tempo, a Petrobras poderá focar na atividade que lhe é mais rentável, e que é sua vocação por natureza: a produção em campos de grande potencial. É por isso que tenho repetido que o termo “desinvestimento” pode confundir, pois se refere tão somente à perspectiva da empresa que desinveste. Para o Brasil, essa transformação atrairá muito mais investimento. Quanto antes o processo ocorrer melhor, para que os efeitos positivos possam se concretizar.

A ANP aprovou recentemente um documento intitulado Modelo Conceitual para o Mercado de Gás Natural. Quais os principais pontos desse modelo e de que forma isso vai impactar positivamente o mercado de gás natural?

O documento apresenta uma proposta para a estruturação do mercado de gás com ênfase na revisão dos regulamentos que tratam das atividades de comercialização e de carregamento de gás natural, as Resoluções ANP nos 52/2011 e 51/2013, respectivamente.

O modelo conceitual proposto pela ANP possibilita a transição de um mercado de gás fechado, dominado por um único agente, com contratos de longo prazo, pouca flexibilidade e altos preços ao consumidor, para um mercado de livre acesso, diverso, líquido e transparente, com preços competitivos. Para tanto, o documento prevê o estabelecimento de áreas de mercado de capacidade, com a contratação pelo regime de entrada e saída, e a comercialização do gás por intermédio de contratos padronizados em um ponto virtual de negociação. Tudo isso possibilitará a dinamização do mercado e a atração de investimentos, tanto para a produção de gás, sua movimentação e processamento, quanto para atividades que se tornam viáveis quando o gás é entregue a preços mais baixos, como o setor industrial.

O Modelo Conceitual para o Mercado de Gás Natural explica como a ANP vislumbra esse novo cenário, que devemos alcançar em alguns anos. Não se trata exatamente de uma minuta de Resolução, mas de um documento conceitual, submetido a consulta prévia, para que os agentes possam avaliar a proposta regulatória e se manifestar sobre os mecanismos que a Agência entende que serão necessários para o pleno funcionamento desse novo mercado.

As áreas além das 200 milhas entraram no páreo nos leilões da ANP. Quantos são os blocos que estão fora das 200 milhas e em quais bacias? Estão em que profundidades? Quais as expectativas em relação a esses blocos tão distantes da costa e que vão representar novos desafios em termos de logística de apoio e escoamento?

A Resolução CNPE nº 24/2019 autorizou a ANP a realizar a 17a Rodada, nomeando os blocos a serem ofertados. Nessa lista, estão previstos 2 blocos inteiramente além das 200 milhas (S-M-1729 e S-M-1731) e 4 blocos parcialmente além das 200 milhas náuticas (S-M-1615, S-M-1617, S-M-1619 e S-M-1378), todos na bacia de Santos. Esses blocos estão situados a cerca de 400 km da cidade de Santos (SP), em região de águas ultraprofundas, com lâmina d’água entre 2.500 m e 3.000 m. Embora apresentem desafios logísticos, trata-se de uma região de fronteira do conhecimento do play pré-sal, cujo o mapeamento feito pela ANP estima volumes in place na ordem de bilhões de barris, em que pesem as incertezas envolvidas. Acredito que esse fator motivará o interesse das grandes petroleiras, a exemplo do bloco vizinho S-M-1500, que foi arrematado na 16ª Rodada.

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Cessão onerosa é uma questão a parte, atípica no mercado global? Quais os grandes desafios em relação aos próximos leilões dessas reservas descobertas, confirmadas e até mesmo dimensionadas com mais profundidade? Podem se tornar um dos mais atrativos ativos do mundo?

Creio que sim, a cessão onerosa é um leilão atípico no mercado global por não estarmos tratando de áreas a serem exploradas. Na verdade, esses leilões ofertam reservas já descobertas e parcialmente desenvolvidas, ou seja, tem algumas características de M&A. Até pela dimensão dos ativos e sua atratividade, os valores nominais envolvidos na licitação do seu excedente são bastante elevados, o que demanda uma engenharia financeira complexa, com poucos agentes capazes de operacionalizá-la e participar do certame.

Não há dúvidas quanto à atratividade dos ativos, do ponto de vista geológico, ainda mais em se tratando de reservas. Acontece que o resultado da licitação do excedente da cessão onerosa passa também por questões contratuais e pelos parâmetros técnico-econômicos formulados, como o bônus de assinatura, a alíquota mínima do excedente em óleo e a compensação à Petrobras pelo diferimento da curva de produção, que considera os investimentos já realizados.

É por isso que está sendo empreendido grande esforço do governo, no sentido de reduzir incertezas - por exemplo, em relação ao valor devido à Petrobras - de modo a permitir que o potencial geológico possa ser aproveitado da melhor forma e que os retornos para a sociedade brasileira sejam maximizados. Diversos esforços dos envolvidos vêm sendo empreendidos, como a negociação entre PPSA e Petrobras para definir os volumes excedentes, e o valor da compensação das áreas de Atapu e Sépia. O MME já externou o desejo de realizar o leilão do excedente da cessão onerosa dessas áreas no ano de 2021, e a ANP estará pronta para implementar as políticas públicas na área de óleo e gás, como sempre ocorreu.

Na sua avaliação, o Brasil continua sendo uma das mais atraentes ‘fronteiras’ de E&P do mundo, com pré-sal e novas descobertas?

 Com absoluta certeza! O Brasil, com toda a certeza, dispõe de um potencial enorme e ativos extremamente atraentes, tanto no pré-sal quanto em áreas de novas fronteiras - com destaque para a margem equatorial. Há, ainda, bacias como Sergipe-Alagoas e Espírito Santo, que atraíram bastante atenção nos últimos leilões. Outras bacias sedimentares também possuem potencial, mas ainda são pouco conhecidas. Importante lembrar que as bacias maduras também geram oportunidades, já que o fator de recuperação ainda é baixo, em comparação com o padrão mundial. Tudo isso, aliado ao plano de desinvestimento da Petrobras, coloca o Brasil como um dos ambientes mais promissores para M&As, gerando oportunidades para empresas de diversos perfis. E a ANP segue trabalhando para que o Brasil continue atraindo investimentos na exploração e produção de petróleo e gás, com medidas como simplificação, desburocratização e redução de custos regulatórios.

Institucional

Por último, como é um profissional do corpo técnico da ANP chegar à direção geral da instituição?

É uma grande honra representar o quadro técnico de servidores concursados da ANP, que, aliás, é extremamente qualificado, na diretoria-geral, ainda que de forma interina. Sem dúvidas, é uma missão bastante importante, que procuro cumprir com muito entusiasmo e motivação, para que o diretor-geral efetivo, quando assumir, encontre uma Agência funcional, eficiente e em plena atividade!

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