Agência UDOP/ O Estado de S. Paulo
Do alto da barragem da Hidrelétrica de Itaipu (14 mil MW), uma extensa linha amarela deixa claro que a maior usina em operação do mundo tem dois donos. A margem direita pertence ao Paraguai; a esquerda, ao Brasil. Tudo é duplicado, conforme prevê o Tratado de Itaipu, assinado em 1973, para evitar privilégios. O que se faz de um lado também é feito do outro, com o mesmo cuidado e padrão. Cada país tem uma entrada principal do lado de sua margem para acesso de funcionários e visitantes.
O escritório de controle e operação, no entanto, é único. Mas o limite entre os países está marcado no chão. O prédio foi construído milimetricamente em cima da linha que divide as nações. Até a mesa de reunião do conselho de administração e da diretoria fica sobre a fronteira. “De um lado estão os brasileiros, falando português; do outro, os paraguaios, falando espanhol”, brinca o diretor-geral brasileiro Jorge Samek. Só não vale falar guarani, língua paraguaia como o tupi-guarani, no Brasil. “A fórmula já dura 35 anos. Mudar seria um tiro no pé.”
Todas as funções dentro da usina têm o seu representante brasileiro e paraguaio. Portanto, o bom senso é a principal receita dos empregados da usina para não cair nas armadilhas da competição entre as nacionalidades. Os funcionários garantem que o convívio é o melhor possível e as discussões políticas não interferem na relação de trabalho. A maioria deles está em Itaipu há mais de 20 anos. É o caso do paraguaio Cristobal Mora Pedroso, de 51 anos, 27 deles dentro da usina.
Ele trabalha no setor de operação do sistema de transmissão da usina com outros brasileiros e paraguaios. Entrou em Itaipu na segunda turma da seletiva geral, treinada em Minas Gerais, onde conheceu sua mulher. Casou e teve filhos, que hoje estudam no Brasil. “Minha vida é Itaipu e Itaipu é tudo para o Paraguai.” Enquanto Itaipu vale US$ 60 bilhões, o PIB do país vizinho é de US$ 9 bilhões. Pedroso e seus colegas da usina são considerados praticamente a elite de seu país, já que recebem bem mais que a média do povo paraguaio. Ele prefere não pôr mais lenha na fogueira sobre a revisão do Tratado de Itaipu. Mas diz que é preciso conversar para resolver toda essa história.
Num ritual diário da operação da usina, quem trabalha de manhã tem de passar o turno para um companheiro da outra nacionalidade. Foi o que Pedroso fez no dia em que a reportagem do Estado esteve em Itaipu. Pontualmente, ao meio-dia, ele passou seu turno para Edson Luis Sene, de 42 anos. O campineiro, que conheceu Foz do Iguaçu numa viagem com um coral da igreja, trabalha na hidrelétrica há 22 anos e considera muito simples a convivência com os paraguaios.
Pela proximidade, ele diz que a eleição no país vizinho envolveu todos da hidrelétrica. “Como brasileiro, desejei a mudança no Paraguai”, diz Sene, referindo-se ao novo presidente Fernando Lugo, que rompeu 61 anos de hegemonia do Partido Colorado.
Os dois companheiros de Itaipu trabalham numa área onde a divisão é ainda mais visível. Independentemente da nacionalidade, eles são obrigados a operar os dois sistemas de ciclagens das turbinas. No passado, esse foi um dos impasses entre os dois países. Cada um defendia a construção da hidrelétrica com o sistema usado em seu país. O ponto final veio com mais uma divisão. Metade das 20 turbinas são de 50 hertz, conforme pedia o Paraguai, e a outra metade de 60 hertz, reivindicação do Brasil.
Ninguém sabe bem onde as discussões sobre a revisão do Tratado de Itaipu vão parar. Mas o lado brasileiro está atento e até já estuda alternativas para o ano de 2023, quando o Paraguai poderá vender sua parte da energia elétrica para quem quiser, afirma o gerente do Centro de Documentação, Guilherme Marques de Gouveia, há 32 anos em Itaipu.
O carioca, admitido quando Itaipu tinha unidade no Rio de Janeiro, conta que o primeiro nome cogitado para a hidrelétrica foi Hidro Paraná. Mais tarde optaram por Itaipu, que significa pedra que canta. Naquela época, o País ainda não tinha toda a experiência que tem hoje na construção de grandes hidrelétricas. Exemplo disso, diz Gouveia, foi que contrataram uma empresa americana e italiana para fazer os estudos de viabilidade da hidrelétrica.
“Muita coisa acabou mudando no meio do caminho, o que culminou na alteração do estatuto da hidrelétrica.” Como os demais funcionários da usina, ele também reforça a boa convivência com os paraguaios. Mas destaca: “O salário pode ser diferente, mas os reajustes têm de ser equivalentes.”
Fale Conosco
22