Reuters, 28/10/2019
Com a saída de cena do México e a ausência de outros países concorrentes na América Latina na oferta de promissores ativos em águas profundas, o Brasil deve atrair as maiores petroleiras globais para dois leilões do pré-sal marcados para a próxima semana, um deles com a promessa de se tornar o maior do mundo.
O sucesso das licitações, na avaliação de especialistas, virá também como um resultado das amplas reformas regulatórias realizadas no Brasil nos últimos anos, que permitiram uma abertura do setor e uma consequente redução do papel da Petrobras no desenvolvimento de importantes áreas.
“Hoje, quando você olha o mundo, não tem um competidor óbvio como o Brasil”, disse o advogado Alexandre Calmon, sócio na Tauil & Chequer Advogados.
Além da qualidade de seus ativos em oferta, pontuou Calmon, o Brasil “fez o dever de casa e reduziu a percepção de risco”, ao entregar antigas demandas do setor nos últimos anos, como um calendário de leilões, regras mais flexíveis para o conteúdo local e o fim da Petrobras como operadora única do pré-sal.
Marcos Ganut, diretor de Infraestrutura da consultoria Alvarez & Marsal, destacou que o país tinha apenas a Petrobras como um agente relevante e que o mercado agora passa a ser de fato competitivo.
Enquanto isso, outros países na América Latina fizeram o movimento inverso, mudando totalmente o cenário visto apenas um ano atrás.
No México, o presidente de esquerda, Andrés Manuel López Obrador, assumiu o poder interrompendo as reformas regulatórias que buscavam a abertura do setor, paralisou os leilões e priorizou projetos estatais da Pemex, em vez de oportunidades para investidores estrangeiros ao longo deste ano.
As reformas do presidente equatoriano, Lenín Moreno, para o mercado de energia também foram interrompidas por protestos. Na Argentina, o presidente neoliberal Mauricio Macri também estava conduzindo uma abertura no segmento de energia, mas que foi duramente afetada por uma ampla crise econômica. No último domingo, os argentinos votaram pela volta da esquerda ao eleger Alberto Fernández.
Sem contar a Venezuela, que tem umas das maiores reservas de petróleo do mundo, mas mergulha cada vez mais em uma grave crise.
Todos esses movimentos na região deram ainda mais destaque para o Brasil.
“Os brasileiros foram muito disciplinados, mesmo após a mudança do governo. A Petrobras finalmente mostrou um programa coerente de desinvestimento”, disse Gonzalo Monroy, analista de energia do México.
“O México não apenas ficou para trás, mas também mudou sua visão sobre o setor.”
Mas o Brasil ainda enfrenta desafios. Atualmente, tem sido cobrado sobre a eficácia de seu trabalho no combate a um grande volume de petróleo que atingiu as praias do Nordeste nos últimos dois quase dois meses, sem que o país tenha conseguido descobrir como o desastre ocorreu.
Além disso, investidores pedem aprimoramentos no processo de licenciamento ambiental.
Contudo, parte dos frutos de mudanças regulatórias brasileiras anteriores já pôde ser recolhida em leilões passados, ainda que não tenham sido contempladas áreas do pré-sal.
No último dia 10, o governo arrecadou um recorde para um leilão de concessão de 8,9 bilhões de reais ao negociar 12 blocos nas bacias de Campos e Santos, sendo uma das áreas por 4,029 bilhões de reais.
Para o próximo mês, estão previstas a 6ª Rodada de Partilha, com a oferta no dia 7 de cinco áreas com bônus de assinatura fixo somados de 7,85 bilhões de reais, sem falar do óleo lucro ofertado ao governo, que determina o vencedor em licitações do pré-sal.
Um dia antes, haverá ainda o aguardado leilão dos excedentes da cessão onerosa, com a oferta de quatro blocos, que somam 106,56 bilhões de bônus de assinatura.
“Cada leilão tem sua própria característica... o de concessão (é) o de maior risco para quem participa, e os próximos leilões, o da cessão onerosa particularmente, é apenas uma questão de quanto será produzido, o petróleo já está lá”, disse o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante o último leilão no início do mês.
A expectativa em torno das licitações deve aumentar já nesta semana, com a chegada de executivos do setor de petróleo para a Offshore Technology Conference, que começa na terça-feira, no Rio de Janeiro.
Potenciais participantes
As maiores petroleiras do mundo são aguardadas na disputa pelas áreas que demandarão pesados investimentos, na próxima semana.
Sem falar do óleo ofertado à União, para levar as áreas elas terão que arcar com bônus de assinaturas que variam de acordo com o bloco: Búzios (68,2 bilhões de reais); Sépia (22,9 bilhões de reais); Atapu (13,7 bilhões de reais); e Itapu (1,8 bilhão de reais).
“Todas as empresas de porte gigantesco são as principais candidatas, porque estamos falando de valores muito representativos”, disse o advogado Giovani Loss, sócio do escritório Mattos Filho.
Estão habilitadas 14 empresas: BP, Chevron, CNODC, CNOOC, Equinor, Exxon, Galp, Petrobras, Petronas, Shell, Total, além de Qatar Petroleum, Ecopetrol e Wintershall Dea, companhias que estão inscritas, mas não como operadoras.
No entanto, a Total disse neste mês que estava saindo do processo, por não ver uma oportunidade de operar as áreas em oferta, enquanto Galp e BP disseram anteriormente que os ativos são caros.
Em uma entrevista à Reuters, na semana passada, a presidente da Equinor no Brasil alertou que o Brasil estava competindo com países de todo o mundo —não apenas na América Latina— pela atenção das grandes petroleiras.
A cessão onerosa tem características únicas, por já ter passado por atividades exploratórias da Petrobras e conter declarações de comercialidade.
A reguladora de petróleo ANP estima que existam entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris de óleo equivalente excedentes na área da cessão onerosa, além dos 5 bilhões de barris originais concedidos à Petrobras. As vencedoras do leilão deverão se tornar sócias da petroleira estatal nas áreas.
Estratégia
Ganut, da Alvarez & Marsal, destacou que algumas empresas que têm aparecido como estrelas nas últimas rodadas do Brasil, como Exxon e Equinor, estiveram mais tímidas no leilão de concessão deste mês, “aparentemente guardando cartucho para o leilão da cessão onerosa”.
Em contrapartida, destacou Ganut, asiáticas de menor porte, como Petronas e QPI, obtiveram bons grandes resultados na licitação de outubro.
As chinesas CNODC e CNOOC, que não participaram de outras rodadas neste ano no Brasil, são citadas por muitos especialistas como grandes candidatas, uma vez que buscam acesso a reservas, não costumam ter interesse em operar os campos e têm o porte financeiro necessário para a rodada.
“As chinesas estão guardando o fôlego para o que vem pela frente, com certeza elas vêm pesado”, disse Anderson Dutra, sócio de Energia e Recursos Naturais da KPMG.
Mas nem tudo são flores. Alguns especialistas pontuaram que a cessão onerosa traz alguns riscos, como a necessidade de que as vencedoras fechem um acordo de coparticipação com a Petrobras, para definir como os recursos serão explorados na cessão onerosa. Apenas após esse acerto, as novas sócias poderão começar a obter o retorno sobre seu investimento.
Tal regra poderá levar as companhias a buscarem participar da rodada juntamente com a estatal, em busca de maior conhecimento geológico prévio das áreas e de mitigar riscos relacionados aos contratos. O movimento poderia significar também menos disputa na rodada.
“Entrar em um negócio desse sem ter uma negociação prévia com a Petrobras é realmente muito arriscado. É o recomendável mesmo que chame a Petrobras desde já para negociar e formar um consórcio”, disse Carolina Fidalgo, sócia do escritório Rennó, Penteado, Reis & Sampaio Advogados.
A Petrobras exerceu seu direito de preferência para ser operadora apenas nos blocos de Búzios e Itapu. Mas muitos veem a possibilidade de que licitantes possam se tornar operadores das outras áreas como bastante remota.
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