Valor Online / The Wall Street Journal
Em 23 de março de 2005, poucas horas depois da notícia de que 15 trabalhadores haviam morrido numa explosão na refinaria da BP em Texas City, John Browne, o ambicioso diretor-presidente da BP, cruzou rapidamente o Atlântico em seu jato particular, vindo de Londres. Uma inspeção inicial já indicava falha humana na explosão. Desde o vazamento do navio petroleiro Exxon Valdez no Alasca, em 1989, a indústria sabia que os críticos das grandes petrolíferas estavam prontos para atacar no caso de qualquer desastre ambiental. O destino da empresa, disse Browne a executivos da BP, dependia de que se evitasse repetir os atos de 16 anos antes do presidente do conselho da Exxon, Lawrence Rawl.
Ao chegar a Texas City, Browne já foi se encontrar com sobreviventes e familiares dos mortos. Com tato, dialogou diretamente com os operários, homens corpulentos, mãos calejadas e rostos queimados de sol. Só depois emergiu para falar à imprensa. Para desarmar a frustração em relação à BP, ele adotou uma honestidade incomum. "Vamos fazer uma investigação completa", disse.
"Os mortos são terceirizados, eles não eram empregados", disse um repórter. "O que o sr. pode fazer por eles?" A resposta desarmou o interlocutor. "Na BP, somos responsáveis pelo que acontece em nossas instalações, e vamos corrigir os problemas. Não podemos consertar o passado, mas com os recursos da BP podemos tornar o futuro um pouco mais seguro." No fim, a BP pagou indenização a todos os terceirizados.
Quando o cenário de manutenção negligente na refineria de Texas City veio à tona, a BP foi criticada não apenas pelas agências do governo americano de proteção à segurança no trabalho como pelo Congresso do país, e também por ex-engenheiros e membros do conselho da Amoco, antiga dona da refinaria.
Tony Hayward, que era chefe da produção durante a crise em Texas City e se tornou o sucessor de Browne, já visitou os centros de controle em Houston onde é monitorada a recente explosão da plataforma no poço Mocando, no Golfo do México. Enquanto a mancha de petróleo chega à costa do Estado de Louisiana, Hayward terá de se lembrar de como seu antecessor não conseguiu, afinal, conter as repercussões de uma série de acidentes.
Browne comprou a então decadente Amoco em 1998, como parte de sua busca por expansão. Nos sete anos seguintes, enquanto as reservas da BP no Alasca e no Mar do Norte se esgotavam, Browne anunciou um plano de aquisições ambiciosas e para salvar a BP de uma extinção gradual. Em 2005, a ambição de Browne de transformar a BP numa forte concorrente da Exxon parecia que ia se materializar. Para cortar custos, Browne não fez a reposição de centenas de engenheiros que tinham deixado a BP, e começou a depender mais de terceirizados. Ele também revitalizou brilhantemente a marca da BP, criando um emblema com o sol e o lema "Beyond Petroleum", ou "Além do Petróleo", exibindo uma empresa preocupada com o meio ambiente e em busca de um futuro "verde". A explosão em Texas City ameaçou esse sonho.
Depois da explosão veio a troca de acusações. A BP era a maior produtora de petróleo em território americano e a mais bem-sucedida no Golfo do México, e sua reputação estava na berlinda. A empresa foi acusada pelo Conselho de Segurança na Química dos EUA, uma agência federal independente, de cortar custos com segurança em manutenção para aumentar os lucros. A resposta de Browne foi rápida. Os engenheiros e executivos da Amoco, disse o executivo britânico aos outros conselheiros da BP, é que foram os responsáveis pela negligência e pelo "desentendimento cultural". Os antigos empregados da Amoco, agora parte da BP, rejeitaram as sugestões de que eram pessoalmente responsáveis.
Em julho de 2005, após o furacão Dennis, o Thunder Horse, projeto de US$ 1 bilhão da BP no Golfo do México, empenou 20 graus. A BP culpou os problemas de engenharia e de projeto, em vez dos efeitos do furacão. Depois foi pior. Em março de 2006, mais de 1 milhão de litros de petróleo vazaram de um tubo de 86 centímetros ligado ao Sistema de Oleodutos TransAlaska, operado pela BP. Alguns moradores do Alasca ficaram arasados com a oportunidade que o incidente proporcionou para os ambientalistas contrários à abertura da Reserva Nacional da Natureza Ártica para mais exploração petrolífera.
O vazamento foi pouco se comparado ao catastrófico rompimento de um oleoduto no mesmo campo cinco meses depois. Em 8 de agosto de 2006, o governo ordenou o fechamento temporário da produção petrolífera inteira do Alasca, e 8% do suprimento diário americano foi paralisado. "Corrosão grave", causada pelos cortes de custos e pela manutenção ruim da BP nos oleodutos, foram as causas, segundo investigadores do Departamento dos Transportes dos EUA. A empresa concordou em substituir quase 26 quilômetros de dutos e aumentar os gastos com manutenção.
A reputação da empresa foi maculada, e uma das vítimas foi Browne. Criticado por um funcionário por "buscar as aparências, não a substância", ele antecipou a aposentadoria. Browne deixou a empresa em 2007. Desde então, a BP vem tentando reverter os cortes de custos e a terceirização de engenheiros.
É provável que os problemas da BP sejam secretamente motivo de satisfação nos rivais. Em Houston, gente do setor tem sussurrado que os valentões britânicos, sempre rápidos demais no gatilho, ignoraram as lições do passado. Hayward será acusado de demorar demais para inverter a falta de responsabilidade dos anos de Browne. De fato, três anos são pouco para criar uma coesão que garanta uma cultura coletiva, e também para incrementar o lado técnico da empresa, mas Hayward pode se preparar para a fritura de um inevitável depoimento ao Congresso. A BP não quis comentar.
Robert Wine, porta-voz da BP em Londres, diz que a responsabilidade pela perfuração na plataforma Deepwater Horizon era inteiramente da Transocean. "Não era apropriado questionar a Transocean", disse Wine. "E não é papel da BP supervisionar a segurança na plataforma." Como muitas outras empresas do ramo, a BP não obrigou a Transocean a instalar os sensores acústicos usados no Mar do Norte para ativar as salvaguardas que evitariam vazamento no poço, algo que não é exigido pela lei americana. As experiências anteriores mostram que a cortina de fumaça da BP não sobreviverá a mais uma investigação. Recuar para uma zona de conforto pode também se mostrar insustentável para a empresa.
O porta-voz da Transocean Guy Cantwell diz que a empresa vai "continuar cooperando com todos os envolvidos" na investigação, e que a firma "tem um histórico de segurança reconhecido."
Quase todos os participantes do setor reconhecem que o método de operação da ExxonMobil é o atual padrão de qualidade da indústria. Desde que o Exxon Valdez poluiu a Enseada Prince William, Lee Raymond, o sucessor de Rawl, tornou a exploração de petróleo o principal negócio da empresa. Depois de 1989, executivos mais severos da ExxonMobil criaram procedimentos exaustivos, inclusive em todas as plataformas terceirizadas. Engenheiros da ExxonMobil monitoram ininterruptamente o trabalho nas plataformas e analisam qualquer plano ou tarefa realizada pelos terceirizados, especialmente quando envolve segurança.
O preço pago pelo histórico de falhas de cultura empresarial da BP hoje é de pelo menos US$ 6 milhões por dia para a operação de limpeza. Reparar o desastre ambiental custará outra fortuna. Politicamente, a consequência dos cortes de custos passados é incalculável. Mas a recuperação e o sucesso da BP são cruciais para a oferta de petróleo do mundo.
Produzir petróleo é um negócio antiquado, sujo e perigoso. O petróleo fácil só resta em países tradicionalmente produtores, como Rússia e Venezuela, cujos próprios interesses têm evitado que seus campos produzam eficientemente. As multinacionais dos países ricos foram forçadas a transferir a busca para o leito do Oceano Atlântico, com suas barreiras técnicas. A luta para "vencer o golfo" está na vanguarda da inovação tecnológica do setor.
Por Tom Boer que lança em junho o livro "Oil: Money, Politics and Power in the 21st Century" ("Petróleo: Dinheiro, Política e Poder no Século XXI", em tradução literal
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