Jornal do Commercio
A indústria dos biocombustíveis escapou ilesa da cúpula sobre a crise alimentar encerrada nesta quinta-feira, mas um representante da ONU alertou que é preciso controlar esse setor para evitar um agravamento da fome mundial. O uso de terras para a produção de etanol e biodiesel em vez de alimentos foi um dos temas mais polêmicos dos três dias de reunião da FAO, agência da Organização das Nações Unidas para alimentação e agricultura, em Roma. Brasil e EUA, gigantes do setor, lideraram a defesa dos biocombustíveis. Sob pressão dos EUA, a declaração final evitou termos negativos sobre os biocombustíveis, citando apenas "desafios e oportunidades" e propondo um "diálogo internacional" sobre o tema.
Olivier De Schutter, especialista independente da ONU sobre o direito à alimentação, disse que os países contrários aos biocombustíveis cederam para evitar um naufrágio total da declaração contra a atual crise alimentar. De Schutter defendia que a cúpula fizesse um apelo a Estados Unidos e União Européia para que abandonassem as políticas de promoção dos biocombustíveis o que ele acha que ainda é possível. "Acho que deveríamos nos encaminhar para um código de conduta que no mínimo tenha a exigência de que o solo adequado ao cultivo de alimentos não deve ser destinado ao combustível além dos níveis atuais", disse ele.
O antecessor de De Schutter, Jean Ziegler, provocou polêmica ao declarar que o uso de terras aráveis para a produção de combustíveis seria "um crime contra a humanidade". O atual representante da ONU usa termos mais brandos, mas a mensagem é a mesma.
"Estou propondo um congelamento em qualquer novo investimento nesse tipo de agrocombustível que esteja competindo diretamente com os alimentos", disse ele.
No último dia da cúpula, o preço do milho no mercado futuro de Chicago bateu recordes, devido a atrasos na semeadura nos EUA, por causa das chuvas.
Os EUA conseguiram aumentar sua produção e exportação de milho ao mesmo tempo em que estimulou a produção de etanol a partir desse grão. Washington diz que os biocombustíveis representam cerca de 3 por cento da inflação total dos alimentos, que fez vários itens dobrarem de custo nos últimos dois anos.
"A realidade é que há uma cesta de problemas aqui que estão causando aumentos no preço dos alimentos, e a maioria (desses problemas) é de custos energéticos e aumento do consumo", disse Ed Schafer, secretário de Agricultura dos EUA. Mas De Schutter disse que continuará pressionando pela adoção de um código de conduta, provavelmente no âmbito da FAO. "Há crescentes evidências científicas de que o uso de energia para produzir agrocombustíveis, o uso de água, o uso de terra arável destrói o meio ambiente, é uma ameaça à segurança alimentar e alimenta a especulação no mercado", afirmou.
A cúpula alimentar da ONU terminou na quinta-feira com a promessa de aliviar a fome que afeta ou ameaça 1 bilhão de pessoas, apesar das queixas de alguns países latino-americanos contra alguns termos da declaração final, o que quase impediu sua aprovação. O texto afinal aceito promete um compromisso com "a eliminação da fome e a garantia de comida para todos, hoje e amanhã".
Ativistas e delegados disseram que o documento tem o mérito de colocar a questão dos alimentos na ordem do dia. "Pelo menos as nações se uniram para reconhecer o problema", disse o secretário norte-americano de Agricultura, Ed Schafer.
A FAO (órgão da ONU para alimentação e agricultura) convocou esta cúpula para discutir a crise alimentar mundial, provocada por fatores uso intensivo de terras para a produção de biocombustíveis, mudanças climáticas, aumento do preço dos combustíveis e alta na demanda, especialmente na Ásia.
Nos últimos dois anos, o preço de alimentos como milho, arroz e trigo mais do que dobrou, e o Banco Mundial diz que mais 100 milhões de pessoas podem passar a sofrer com a fome, que hoje já afeta 850 milhões no mundo. A FAO diz que a produção de alimentos precisaria crescer 50 % até 2050 para atender a demanda.
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