Team Norway Brasil
Fernanda Delgado é professora e assessora estratégica na FGV Energia e professora do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, via convênio com a FGV. Ela também é Doutora em Planejamento Energético, Mestre em Tecnologia da Informação e Finanças Internacionais e tem dois livros publicados sobre Petropolítica.
Desde 08.03 estamos observando a importante queda nos preços internacionais do petróleo, que chegou a níveis historicamente baixos. Quais as consequências imediatas dessa queda de preços?
Esta queda pegou todo mercado de surpresa. Na reunião entre Opep e Rússia, em 06 de março, o que se esperava era um consenso para um corte de produção que levasse os preços para cima. Mas um descolamento de intenções entre Arábia Saudita e Rússia levou a uma direção diametralmente oposta, onde o país árabe decidiu inundar o mercado com uma quantidade ainda maior de petróleo produzido, jogando os preços ainda mais para baixo. Os preço chegaram a algo em torno de 22 dólares o barril, menor preço em 18 anos.
A preocupação em abocanhar uma maior fatia de market share e com a capacidade europeia em conter o coronavírus, assim como a China o fez, levou a desintegração da Opep+ encerrando mais de três anos de cooperação e de influência altista nos preços.
Ainda é cedo para concluir se há uma nova estrutura de mercado em vigor com preços estruturalmente deprimidos. Esperamos que não, e que a situação tome uma perspectiva de subida a partir da reunião da Opep de 05 de junho.
Na verdade, preços baixos não são bons para ninguém. Perdem as economias exportadoras da Opep e Rússia, que tem suas economias fortemente alavancadas nas exportações de petróleo, e podem ter seus orçamentos comprometidos. Neste cenário, perde também a economia brasileira, visto que o país exporta aproximadamente 600 a 700 mil barris por dia, e há uma redução direta de receita de exportação atrelada à queda do preço do barril. Adicionalmente, os cálculos de royalties e participações especiais que arrecadam estados e municípios levam em consideração os preços internacionais, e quanto mais baixos estes, menores estas arrecadações.
Vale destacar que preços de petróleo baixos demais tornam novos projetos de petróleo inviáveis, desestabilizam projetos green field e colocam novos leilões de área de exploração em risco. No caso do pré-sal brasileiro, a Petrobras trabalha com um preço de equilíbrio entre USD 35 a 45 por barril, o que significa que preços abaixo deste intervalo tornam o projeto menos atrativo e arriscado.
Em torno de 65% dos investimentos Noruegueses no Brasil nos últimos dois anos estão diretamente relacionados aos setores de óleo e gás e marítimo, e foram realizados por companhias com sede no Rio de Janeiro. Na sua visão quais seriam os possíveis impactos nos investimentos no Brasil nestas áreas? E quais os impactos para a economia do Estado do Rio de Janeiro?
Há uma expectativa de menor crescimento econômico no Brasil e no mundo e isso se refletirá nos negócios, nos investimentos e nos portfolios das empresas. O certo é que isso afetará o caixa das companhias, do Governo Federal e dos governos estaduais. Afetará o plano de desinvestimentos em refinarias da Petrobras e a arrecadação de Royalties e participações especiais dos municípios brasileiros. Afetará a balança comercial brasileira e o câmbio, que já atingiu a marca de 5 reais por dólar.
Entretanto, um choque de super-oferta como este ocorreu há pouco tempo em 2014, com a entrada em larga escala da produção do shale gas nos EUA e com isso, uma queda brusca nos preços. As causas e consequências ainda estão na memória recente da indústria e da sociedade de uma forma geral. De lá para cá as companhias enxugaram seus custos de produção e revisitaram seus portfólios primando por ativos e projetos de maior rentabilidade. Hoje pode-se perceber que as empresas operam com mais cautela que outrora, o que certamente é uma vantagem quando em meio a uma crise como essa.
Por outro lado, há o repasse dessa queda de preços do óleo cru no mercado internacional para os combustíveis derivados no Brasil, o que é bom para o consumidor e para a continuidade da atividade econômica, mas enfraquece a arrecadação da Petrobras.
Qual a sua visão sobre os preços do petróleo no médio prazo? Por quanto tempo devemos ver os preços atuais?
Não é trivial prever o que pode acontecer em um mercado tão cheio de incertezas econômicas e geopolíticas e agora de saúde pública! Em que pese hoje são vários os polos de poder petrolífero que vão além de Arábia Saudita e Rússia, como EUA, alguns países africanos, Canadá, Noruega.
Vale lembrar também que esta estratégia árabe de jogar os preços para baixo e a produção para cima para forçar os demais países a voltarem à mesa de negociação não é nova, e normalmente confere o resultado esperado. É de se imaginar que em algum momento a Rússia retome as negociações com a Arábia Saudita, antes que perca demasiado market share na Europa.
Adicionalmente, demais economias produtoras como Irã e Iraque passam por um período de intensa pressão social por reformas que os aproxime mais do ocidente, o que requer capital, e vai contra a atitude isolacionista tomada pela Arábia Saudita.
É importante frisar ainda que ficou muito mais difícil tomar decisões de investimento a longo prazo na indústria de petróleo no Brasil e no mundo. À parte toda necessidade de fazer a transição para uma economia de baixo carbono, o incentivo à eletrificação das frotas ou às respostas as reações de ativistas e investidores climáticos. Qualquer verniz de certeza sobre a trajetória futura dos preços do petróleo evaporou-se nesse momento.
Por fim, mas não menos importante, em uma análise preliminar para esta semana de mercados derretidos, vale mencionar que preços de petróleo baixos fazem com que este energético permaneça nas matrizes energéticas por ainda mais tempo, tornando menos atrativos investimentos em fontes alternativas de energia intensivas em desenvolvimento tecnológico, tão importantes ao mundo hoje em épocas de aquecimento global e mudanças climáticas.
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