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    Duas perspectivas: lado da oferta e lado do consumo.
O Estado de São Paulo / José GoldembergA reeleição da presidente da República para mais um período de quatro anos torna urgente uma reanálise das políticas de energia adotadas no País nas últimas décadas, e particularmente desde 2004, que nos levaram a uma crise sem precedentes no setor, parte da qual se deve ao clima adverso (falta de chuva) e parte, a um planejamento falho.
Há duas maneiras de olhar para os problemas de energia: pelo lado da  oferta e pelo lado do consumo. No Brasil, a ênfase tem sido dada apenas  ao aumento da oferta, no qual a adoção de políticas equivocadas é  evidente.
Até recentemente, o aumento da oferta de energia  elétrica foi feito construindo usinas hidrelétricas, já que o Brasil é  um dos poucos países do mundo onde isso ainda pode ser feito. Na Europa e  nos Estados Unidos, por exemplo, há muitos anos o potencial  hidrelétrico foi esgotado.
O Brasil tem um potencial de geração  hidrelétrica de cerca de 250 milhões de quilowatts, dos quais um terço  já está sendo utilizado. A capacidade instalada tem crescido cerca de 4  milhões de quilowatts por ano. Do ponto de vista técnico, é possível  dobrar o potencial utilizado. O problema é que essa expansão deverá  ocorrer na Região Amazônica, o que provoca conflitos de natureza social e  ambiental.
Poder-se-ia argumentar que mesmo quando os impactos  são significativos, como ocorre, por exemplo, na Usina Hidrelétrica de  Belo Monte, é preciso comparar os custos ambientais e sociais  decorrentes do empreendimento com os benefícios de sua instalação, que  em geral são muito maiores. Na prática, as controvérsias levantadas  atrasaram significativamente as obras na Região Amazônica e o governo  nunca as enfrentou com determinação.
Aliás, a prática de  construir usinas com reservatórios pequenos ou sem reservatórios desde  1990 contribuiu muito para a crise atual. Para agravar a situação, o  governo encorajou, a partir de 2012, o consumo de eletricidade com  incentivos para a compra de eletrodomésticos e com a redução demagógica  das tarifas de energia numa ocasião em que já eram evidentes os  problemas causados pela crise hidrológica.
A estratégia a seguir  seria tentar reduzir o consumo com medidas de racionalização e economia  do consumo, que o governo se recusou a adotar, insistindo na expansão do  sistema. Isso foi feito ativando as usinas térmicas, usando gás  natural, derivados de petróleo e até carvão, cuja eletricidade é três a  quatro vezes mais cara do que a energia hidrelétrica, além de altamente  poluente. O custo dessa opção vai acabar custando mais de R$ 60 bilhões  aos consumidores, além de “carbonizar” a matriz energética brasileira.
O  governo até que tentou diversificar as fontes de geração por meio dos  leilões a partir de 2004, mas de uma maneira canhestra: todas as fontes  de energia foram tratadas como se fossem iguais – energia hidrelétrica,  eólica, de biomassa, solar e outras cujo custo de produção é diferente. É  como se alguém fosse ao supermercado e tentasse comprar um quilo de  frutas. Ora, não se vende frutas por quilo como se todas fossem iguais: o  que se faz é compor um “cesto de frutas” e de custos diferentes –  correspondentemente, um “cesto de energias” de custos diferentes.
O  sistema de leilões adotado em 2004 tinha, portanto, um defeito  genético: a “modicidade tarifária”. Oferecer um preço final baixo ao  consumidor tornou-se ideia fixa do governo – provavelmente por motivos  ideológicos -, que deixou de lado considerações de caráter técnico e  econômico que acabaram se impondo.
Só em 2014 é que os leilões  passaram a ser diferenciados por fonte, encorajando o uso de energias  renováveis. A partir de agora as renováveis estão começando a contribuir  significativamente para a produção de energia, mas dez anos foram  perdidos!
Quando se olha o problema energético pelo lado do  consumo, é preciso lembrar que a racionalização do uso de energia  poderia também desempenhar um papel importante.
Um terço da  energia no Brasil é consumido em transporte, uma vez que o tráfego  rodoviário (automóveis e caminhões) domina inteiramente esse setor no  País. Todos os países com extensão territorial parecida com a do Brasil,  como Estados Unidos, China, Rússia e Índia, mantiveram a opção  ferroviária, apesar da expansão do tráfego rodoviário que caracterizou a  segunda metade do século 20.
Além disso, a eficiência dos  veículos automotores no Brasil é, de modo geral, 30% inferior à dos  similares no exterior. O mesmo se verifica com geladeiras, que consomem  mais eletricidade do que os modelos fabricados no exterior, bem como com  fogões a gás e outros utensílios domésticos, que também têm desempenho  ineficiente.
O que se impõe aqui é introduzir equipamentos e  modelos mais eficientes, retirando do mercado – ao longo do tempo – os  menos eficientes. Isso pode ser feito por meio de normas, leis e  regulamentos que gradualmente exijam padrões de desempenho melhores.  Tais procedimentos foram introduzidos em 1980 na Califórnia, hoje o  Estado com melhores índices de eficiência energética nos Estados Unidos.  O consumo per capita de eletricidade na Califórnia é cerca de metade do  consumo da média americana.
No Brasil, a Lei n.º 10.295, de  2002, permite fazer o mesmo que foi feito na Califórnia, mas até hoje a  adoção de padrões tem sido, em geral, voluntária. A introdução de  padrões mandatórios pode ser gradual e não necessita de recursos  orçamentários (como é o caso da construção de hidrelétricas ou  ferrovias).
O sucesso obtido na Califórnia e em muitos países da  Europa mostra que o crescimento econômico não é incompatível com o uso  racional de energia.
 
        
            
        
            
        
        
            
                
    
        
             
        
            
        
        
            
     
        
                
            
        
        
        
        
             
        
            
        
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