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O Aproveitamento de Potencial Energético Offshore: Uma Breve Análise do Projeto de Lei nº 576/2021, por Patricia S. Fiad Maroja e Domenik Vieira Rodrigues

Redação TN/Assessoria
26/08/2022 13:53
O Aproveitamento de Potencial Energético Offshore: Uma Breve Análise do Projeto de Lei nº 576/2021, por Patricia S. Fiad Maroja e Domenik Vieira Rodrigues Imagem: Divulgação Visualizações: 1011

Em um contexto de grandes esforços para conter o aquecimento global por meio da transição energética, a inserção de eólicas em alto mar na matriz energética apresenta-se como uma oportunidade para uma economia de baixo carbono. Aproximadamente 56 GW de capacidade eólica offshore já foram instaladas em todo o mundo. A Europa, seguida da China, concentra a maior parte da capacidade offshore atual: apenas Reino Unido, Alemanha e China representam 82% do market share global segundo a Global Wind Energy Council.

Três décadas após a instalação do primeiro parque eólico offshore, e a América Latina ainda não conta com essa fonte de energia. No entanto, nos últimos dois anos, empresas nacionais e internacionais despertaram o interesse em investir no potencial brasileiro e já registraram 66 projetos para licenciamento ambiental, o equivalente a 169.441 MW de potência total, de acordo com dados do Ibama do dia 2 de agosto. Grande parte deles estão concentrados em três regiões devido à alta magnitude de ventos: (1) Piauí ao Rio Grande do Norte; (2) Espírito Santo ao Rio de Janeiro e (3) Santa Catarina ao Rio Grande do Sul.

Dentre os desafios para a abertura do mercado eólico offshore no Brasil está o arcabouço regulatório. Em especial porque as instalações de parques eólicos offshore ocorrem fundamentalmente no mar territorial ou em zona econômica exclusiva consideradas áreas públicas. Tendo em vista a necessidade, mais recentemente, houve um grande avanço para o setor, a aprovação do Marco regulatório da exploração de energia offshore.

 

Projeto de Lei nº 576/2021

Com vista a tornar o aproveitamento de potencial energético offshore uma realidade no Brasil, é imprescindível, portanto, garantir segurança jurídica quanto às normas aplicadas aos empreendimentos. Não é outro senão este o objetivo do Projeto de Lei nº 576/2021 (PL576), que trata do regime legal para uso de corpos de água sob domínio da União, com fins de exploração e desenvolvimento da geração de energia a partir de fontes de instalação offshore. O referido Projeto teve seu texto substitutivo aprovado por unanimidade pela Comissão de Serviços de Infraestrutura, do Senado Federal, no dia 17/08/2022, de onde segue para a Câmara dos Deputados, com expectativas de retornar ao Senado ainda esse ano, para aprovação final.

Nos termos do texto aprovado, é previsto que o direito de uso de bem da União será outorgado mediante duas modalidades: (1) Concessão, por meio da chamada Oferta Planejada e (2) Autorização, por meio de Oferta Permanente. Será Oferta Permanente aquela cujo prisma energético for sugerido pelo interessado. Por sua vez, a Oferta Planejada ocorrerá em qualquer das três seguintes situações: (1) o Poder Concedente pré-determinar os prismas energéticos ou (2) quando se concluir pela inviabilidade de primas solicitados por interessados ou, ainda, (3) quando não houver composição entre os interessados pelo(s) mesmo(s) prisma(s).

Caberá, ainda, ao Poder Executivo Federal definir a entidade responsável pela outorga do direito de uso, nos termos autorizados pelo PL576.

 

Procedimento Para Oferta Permanente e Oferta Planejada

Quanto ao procedimento de manifestação de interesse sobre determinado prisma energético, é previso que, após tal manifestação, o poder concedente deverá promover chamada pública e, havendo apenas uma manifestação de interesse em determinado prisma energético, poderá ser outorgada a autorização; ou, havendo mais de uma manifestação de interesse em determinado prisma energético, sobrepondo-se total ou parcialmente, o poder concedente poderá buscar composição entre os interessados e, caso não se obtenha consenso, converter-se-á a Oferta Permanente em Oferta Planejada.

Vale notar que o texto aprovado suprimiu a lista de estudos necessários para a manifestação de interesse prevista no texto original, deixando a cargo de regulamento específico a definição das análises prévias necessárias.

No que se refere à outorga de prismas energéticos sob Oferta Planejada, esta deverá ser precedida de leilão – excluída a menção à audiência pública prévia existente no texto original – e o Edital deverá conter, ao menos, as seguintes definições essenciais:

  1. Prisma energético objeto da outorga;
  2. Instalações de transmissão, caso aplicável;
  3. Participações governamentais;
  4. Garantias financeiras de descomissionamento; e
  5. Fatores para ponderação dos critérios de julgamento.

Chama a atenção o fato de que, ao invés de remeter tais condições àquelas previstas recente publicada Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 – aplicada subsidiariamente –, o PL576 determina os critérios de julgamento a serem adotados em caso de concessão para aproveitamento energético em corpos de água sob domínio da União, quais sejam: (1) o maior valor ofertado a título de bônus de assinatura; (2) maior valor ofertado a título de participação proporcional; e/ou (3) a menor tarifa de energia elétrica ao consumidor do mercado regulado.

 

O Termo de Outorga para Aproveitamento de Potencial Energético Offshore

Uma vez concedida a outorga, seja por via de concessão ou autorização, esta será formalizada por meio do Termo de Outorga para Aproveitamento de Potencial Energético Offshore. Observa-se que a Proposta de Emenda aprovada autoriza, expressamente, a transferência do termo de outorga mediante prévia e expressa autorização do poder concedente, desde que o novo outorgado atenda aos requisitos técnicos-econômicos e jurídicos originalmente previstos.

 

Implantação e Operação do Empreendimento

Passando-se à análise das condições para execução da outorga do direito de uso, nos termos da redação aprovada pelo Senado Federal, esta consistirá em duas fases: (1) avaliação e (2) execução. Na fase de avaliação, deverão ser realizados estudos para determinação da viabilidade do empreendimento:

    1. Análise de viabilidade técnica e econômica;
    2. Estudo prévio de impacto ambiental, a ser realizado para a análise da viabilidade ambiental do empreendimento no procedimento de licenciamento ambiental;
    3. Avaliação das externalidades dos empreendimentos, bem como, sua compatibilidade e integração com as demais atividades locais, inclusive quanto à segurança marítima, fluvial, lacustre e aeronáutica; e
    4. Informações georreferenciadas sobre o potencial energético do prisma, incluindo dados sobre velocidade dos ventos, amplitude das ondas, correntes marítimas e outras informações de natureza climática e geológica, conforme regulamentação. Nota-se que, antes da conclusão da fase de estudos e avaliação, o outorgado deverá apresentar, declaração de viabilidade acompanhada de metas de implantação e operação do empreendimento, sob pena de perder direito ao reembolso ou ressarcimento de qualquer valor adimplido a título de participações governamentais, indenização ou benfeitorias.

Na fase de execução, é prevista a realização das atividades de implantação e de operação do empreendimento.

 

Participações Governamentais

Compreendido o contexto geral da outorga para uso de prismas energéticos, de relevo compreender, naturalmente, as condições de investimento previstas pelo PL576 ora sob análise. Diante disso, tem-se que a participação governamental serão as seguintes:

    1. Bônus de assinatura, cujo pagamento poderá ser parcelado em duas etapas e será destinado exclusivamente à União;
    2. Participação proporcional, que será paga mensalmente, a partir da data de entrada em operação comercial, em montante não inferior a 1,5% da energia efetivamente gerada e comercializada relativamente a cada prisma energético, distribuído pelas entidades federativas na proporção abaixo:
      1. 50% para a União;
      2. 12,5% para os Estados confrontantes nos quais estão situadas a retro área de conexão ao SIN (Sistema Interligado Nacional);
      3. 12,5% para os Municípios confrontantes nos quais estão situadas a retro área de instalações para conexão ao SIN;
      4. 10% para os Estados e Distrito Federal, rateados na proporção do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE);
      5. 10% para os Municípios, rateados na proporção do Fundo de Participação dos Municípios (FPM);
      6. 5% para projetos de desenvolvimento sustentável e econômico destinados as comunidades impactadas nos municípios confrontantes, tais como, mas não exclusivamente, colônias de pescadores e ribeirinhos, habilitados pelo Poder Executivo da União, conforme regulamento

Interessante observar que o texto substituto aprovado excluiu previsão de pagamento pela ocupação ou retenção de área e reduziu para 30% o valor relativo à primeira parcela do bônus de assinatura, o qual, na redação original do referido PL576, previa 50%.

 

Áreas Vedadas

Importa, ainda, observar que é vedada a constituição de primas em áreas coincidentes com:

  1. Blocos em regime de concessão, partilha ou cessão onerosa (exceto se o operador seja interessado no aproveitamento do prisma ou dê anuência para que o mesmo seja realizado por terceiro, o que valerá pelo prazo do contrato do operador);
  2. Rotas de navegação marítima, fluvial, lacustres ou aérea;
  3. Áreas protegidas pela legislação ambiental;
  4. Áreas tombadas como paisagem cultural e natural nos sítios turísticos do país; e
  5. Áreas reservadas para a realização de exercícios pelas Forças Armadas.

Curiosamente, o PL576 já prevê a possibilidade de uso múltiplo do prisma energético, quando compatível com a maricultura.

Curiosamente, o PL576 já prevê a possibilidade de uso múltiplo do prisma energético, quando compatível com a maricultura.

 

Obrigações do outorgado

Dentre outras obrigações, o PL576 expressamente prevê que o outorgado deverá:

  1. Adotar as medidas necessárias para a conservação ambiental, com destaque para o objeto da outorga, para a segurança da navegação, das pessoas e dos equipamentos;
  2. Realizar projeto de monitoramento ambiental, conforme regulamento;
  3. Garantir o descomissionamento das instalações;
  4. Comunicar à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ou à Agência Nacional de Mineração (ANM), imediatamente, qualquer ocorrência relacionada às atividades das referidas agências;
  5. Comunicar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), imediatamente, a descoberta de bem considerado patrimônio histórico, artístico ou cultural;
  6. Responsabilizar-se civilmente pelos atos de seus prepostos e indenizar o dano decorrente das atividades relacionadas ao uso do prisma energético concedido;
  7. Adotar as melhores práticas internacionais do setor elétrico e das operações offshore, bem como demais normas e procedimentos ambientais, técnicos e científicos pertinentes; e, ainda,
  8. Realizar investimento em pesquisa e desenvolvimento voltados para o setor energético nos termos da Lei 9.991/2000.

Conclusão

Por fim, o PL576, nos termos aprovados, deixa para regulamentação específica diversos temas relevantes para a implantação da norma e, consequentemente, para adequado fomento dos empreendimentos: (1) a definição locacional prévia de setores em que poderão ser definidos prismas energéticos; (2) o procedimento para apresentação de sugestões de prospectos de prismas energéticos; (3) o procedimento de solicitação de Declaração de Interferência Prévia (DIP); e (4) requisitos obrigatórios de qualificação técnica, econômico-financeira e jurídica a serem cumpridos pelo interessado, dentre outros.

Os desafios para o desenvolvimento do setor eólico offshore no Brasil, porém, não se limitam aos requisitos regulatórios. Para a viabilidade do mercado no país também faz-se necessária atenção para alguns pontos relevantes, dentre eles: (1) a minimização dos custos, considerando que ainda não existe uma robusta cadeia de fornecimento; (2) a logística, em especial a utilização de embarcações específicas para instalação de equipamentos; (3) o grande gargalo das linhas de transmissão e os altos custos das instalações em alto-mar e (4) a adequação e melhoria da situação da infraestrutura portuária próxima as regiões com potencial, de forma atender as operações e manutenções dos parques.

Apesar dos desafios, os primeiros passos já foram dados nos permitindo esperar, para as próximas décadas, significativo avanço da energia eólica na matriz energética do Brasil, país com seu vasto litoral e grande potencial de geração de energia eólica.

Sobre as autoras: Patricia S. Fiad Maroja é Advogada no Grupo Queiroz Galvão, mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Domenik Vieira Rodrigues é Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense - UFF e Analista de Projetos Estruturados no Grupo Queiroz Galvão

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