State Grid formou consórcio com Furnas e Eletronorte.
Valor Econômico
O avanço da chinesa State Grid no Brasil consolida um novo ciclo de investimentos no setor elétrico, marcado pela liderança das estatais do país asiático em detrimento das multinacionais de países desenvolvidos. O grupo espanhol Abengoa, que tem sido um dos principais investidores em linhas de transmissão no país desde o início da estabilização econômica, em 1994, chegou a disputar com os chineses, na sexta-feira (7), o leilão da linha que vai trazer a energia da hidrelétrica de Belo Monte até a divisa dos Estados de Minas Gerais e São Paulo, percorrendo 2 mil km.
Mas, como já havia sido antecipado pelo 'Valor', o lance oferecido pela State Grid foi imbatível e demonstra o forte interesse de Pequim de se estabelecer no Brasil. O consórcio formado pela estatal chinesa (51%) e duas subsidiárias da Eletrobras - Furnas (24,4%) e Eletronorte (24,5%) - ofereceu um deságio de 38%. O percentual ficou muito longe do proposto pelos dois outros concorrentes: os espanhóis ofereceram um desconto de 11,49%, enquanto o consórcio formado por Taesa e Alupar apresentou um deságio de 4,93%.
Nos bastidores, fontes do setor disseram que a participação dos espanhóis, ainda que quixotesca, serviu para tirar os chineses da zona de conforto. Se a Abengoa não estivesse no páreo, talvez a State Grid optasse por entregar o envelope com o menor deságio.
Ainda assim, os rumores eram de que os chineses não estavam dispostos a oferecer menos de 20% de desconto sobre a receita anual permitida (RAP). "Eles entraram para ganhar. Abre-se agora um ciclo de investimentos dos chineses no sistema elétrico brasileiro", afirmou o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), Nivalde Castro.
A State Grid e a Eletrobras ofereceram receber uma receita fixa de R$ 434,6 milhões por ano, que será corrigida pela inflação durante os 30 anos da concessão. A linha de transmissão terá de ficar pronta em até 46 meses e deve custar R$ 4,5 bilhões, pelas estimativas do presidente da Eletrobras, José da Costa Neto, que disse ser possível entregar a obra três meses antes do prazo.
Uma parte importante do custo virá dos equipamentos. A fabricante que fornecerá os conversores e transformadores ao consórcio vencedor será a Siemens. O grupo alemão derrotou outros fornecedores que também disputavam a encomenda, orçada em R$ 2 bilhões. A construção da linha deve exigir ainda 25 mil quilômetros de cabos e 64 mil toneladas de aço, o que vai aquecer a demanda por esses componentes.
As repercussões do resultado do leilão serão muitas, avaliam executivos. Se antes a China era vista com receio, hoje estende-se o tapete vermelho ao capital chinês, que está disposto a financiar projetos a um custo baixo. "São os chineses que vão baratear o custo da infraestrutura no país", diz uma fonte. Segundo o presidente da Eletrobras, a State Grid comprometeu-se a financiar cerca de 10% do empreendimento. Os empréstimos do BNDES devem cobrir entre 50% ou 55% dos custos, enquanto outra parte dos recursos deve vir do FI FGTS e da emissão de debêntures.
Para os chineses, mais do que um grande negócio, a aliança com a estatal brasileira também pode ser vista como parte de um jogo de xadrez geopolítico, diz um analista. O Brasil se enquadra na estratégia de expansão dos grupos chineses, que já fizeram pesados investimentos em outras regiões do mundo, como a África.
Segundo o presidente a Eletrobras, a aproximação com a State Grid nasceu durante a visita da presidente Dilma Rousseff à China, em 2011. A parceria em torno da linha de transmissão de Belo Monte foi a primeira entre as duas empresas no Brasil e, segundo Costa Neto, pode se repetir em outros projetos, bem como fora do país. As duas estatais, por exemplo, já serão sócias em um projeto em Moçambique, do qual também participa o grupo Camargo Corrêa.
Na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff comemorou, no Twitter, o leilão da linha de transmissão de Belo Monte. "A regra básica para vencer o leilão era apresentar a menor proposta de receita anual. Como houve deságio de 38%, haverá um desconto maior na conta de luz", escreveu a presidente.
No entanto, os investidores questionam a rentabilidade dos projetos e criticam o governo por exigir margens que não seguem a lógica econômica. Isso se reflete nos últimos leilões de geração e de linhas de transmissão, onde a participação das empresas de capital privado tem sido tímida.
Ao ser perguntado sobre a taxa de retorno que o consórcio espera obter, Costa Neto não revelou um percentual. "Não se trabalha mais no país com taxas de dois dígitos de retorno", respondeu. Thais Pradini, da consultoria Thymos Energia, estima que a taxa de retorno da linha de Belo Monte será em torno de 8%.
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