Valor Econômico
Em um movimento emblemático, sobretudo para uma empresa de um país conhecido pelo nacionalismo, o grupo francês Tereos confirmou ontem, oficialmente, que está transferindo sua sede mundial e ativos para o Brasil, conforme antecipou o Valor.
Nas entrelinhas, o grupo deixou claro que o movimento é uma preparação para sua entrada na briga de gigantes que se transformou o setor sucroalcooleiro brasileiro. Desde 2008, a Açúcar Guarani, controlada da Tereos no país, não faz grandes movimentos de expansão. Agora, o plano é captar recursos no mercado de capitais - no Brasil e na França - e financiar sua expansão, não somente dos ativos de açúcar, álcool e cogeração de energia, mas também de todo o grupo Tereos, que inclui também ingrediente alimentícios.
Com elevado endividamento, a Açúcar Guarani não conseguiu aproveitar nos últimos meses as oportunidades de compra de usinas, aproveitadas pelas multinacionais Bunge e Louis Dreyfus, além da indiana Shree Renuka e da brasileira Cosan. Em uma tacada só, essas empresas incorporaram grandes ativos, que juntos somam mais de 50 milhões de toneladas de capacidade moagem.
Nesse período, a Guarani, que até a safra 2006/07 era a terceira maior empresa do segmento em moagem de cana, fechou apenas a compra de 50% da usina Vertente, de Guaraci (SP), com capacidade total para moer 1,8 milhão de toneladas. Assim, na prática, a controlada da Tereos incorporou, por meio de aquisições, 900 mil toneladas de capacidade aos seus ativos nos últimos dois anos.
Com melhorias industriais nos seus ativos já existentes, a empresa no Brasil conseguirá moer 15,2 milhões de toneladas de cana no ciclo 2010/11 - ante 13,8 milhões na safra 2009/10 -, mais o adicional de 900 mil toneladas equivalentes à metade da Vertente. Somando-se os 2 milhões de toneladas de capacidade de moagem que a Tereos tem fora do Brasil (Ilha de Reunião, próxima a Madagascar, Tanzânia e Moçambique), a moagem total da futura empresa Tereos International neste ciclo será de 18 milhões de toneladas, o que a sustenta na quarta posição entre as maiores do Brasil, empatada com o grupo paranaense Santa Terezinha.
Ainda não há planos sobre quanto essa capacidade vai ser expandida após a oferta de ações, ainda sem data definida. " O que podemos adiantar é que vamos crescer acima da taxa média prevista para todo o setor, que é entre 7% a 10% ao ano. Hoje, há mais sentido a expansão por aquisições. Assim, é difícil prever quanto cresceremos, pois dependerá de uma série de fatores, inclusive de que tipo de oportunidades surgirão " , diz Jacyr Costa Filho, diretor-presidente da Guarani. O executivo deve permanecer à frente das atividades no Brasil após a conclusão da criação da Tereos Internacional.
Com a incorporação dos ativos da Tereos (com exceção dos ativos de açúcar de beterraba), a nova empresa no Brasil sairá de avaliação patrimonial de 686 milhões de euros para mais de 1,7 bilhão de euros.
O planejamento, segundo Alexis Duval, diretor financeiro da Tereos, é que a empresa esteja listada em bolsa em julho e, se o mercado estiver com apetite, fazer o lançamento de ações logo em seguida. " Ainda não temos uma dimensão exata do valor dessa oferta " , afirma Duval.
Recorrer ao mercado de capitais é a alternativa mais cogitada pelas empresas que querem continuar crescendo neste setor, como a ETH Bioenergia, do grupo Odebrecht, que prevê sua estreia na bolsa para 2011, e a LDC-SEV, empresa formada da incorporação dos ativos da trading francesa Louis Dreyfus e do tradicional grupo Santelisa Vale, que também tem como "target" o ano de 2011.
Trazer a diversificação de ativos e atividades da Tereos na Europa para a nova empresa, a Tereos Internacional, é uma vantagem competitiva fundamental para as companhias que atuam no setor sucroalcooleiro, explica André Trucy, futuro diretor presidente da Tereos Internacional. " O fluxo de caixa da atividade de amidos é mais constante, o que ajuda a sustentar a produção de açúcar e álcool, que é mais intensiva de capital e com maior volatilidade no fluxo de caixa " , completa Duval.
Este é o perfil de multinacionais que entraram com avidez no setor. É o caso da Bunge, que incorporou os ativos da Moema no fim do ano passado e que tem em seu portfólio produtos como óleos vegetais, margarinas, farinhas, ração e fertilizantes. É também o modelo de negócio da francesa Louis Dreyfus, que comercializa desde suco de laranja até café, energia, arroz, algodão.
Duval destaca como ponto forte da nova empresa o portfólio de produtos de maior valor agregado. O executivo vê nesse aspecto uma importante possibilidade de ganhos de sinergia. No Brasil, explica Trucy, a Guarani não produz álcool premium, usado em bebidas. " Vemos uma oportunidade de produzir esse tipo de álcool nas nossas unidades no Brasil " , diz Trucy. Ainda, continua ele, há alguns ingredientes alimentícios produzidos na Europa a partir do trigo que podem ser feitos a partir do açúcar no Brasil.
(Fabiana Batista | Valor)
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