O interesse de empresas na instalação de grandes empreendimentos do Complexo Industrial do Porto do Açu, no município de São João da Barra, no norte do estado do Rio de Janeiro, pode ser abalado. A avaliação é da presidente da Companhia de Desenvolvimento Industrial do estado do Rio de Janeiro (Codin), Conceição Ribeiro.
De acordo com Conceição, as manifestações regionais contra os projetos passam por seu momento mais tenso e podem afugentar os planos de alguns empresários. O complexo tem ao todo 90 km² e um dos seus principais projetos é o Porto do Açu, da LLX, atualmente em construção.
Um dos maiores desafios da Codin tem sido coordenar as desapropriações das áreas onde será construído o distrito industrial, que tiveram início em 2010, em um total de 70 km². Os proprietários e ex-proprietários não entendem por que devem deixar as residências e afirmam ser coagidos por funcionários de empresas, por seguranças contratados e pela própria polícia local.
A Codin e a LLX - empresa de logística do Grupo EBX, do empresário Eike Batista - confirmaram que pessoas invadiram uma área de 31 hectares que já havia sido desocupada na região do distrito, embora não tenham a exata dimensão da ocupação. Moradores locais afirmam que, durante o dia, 50 pessoas permanecem no local, número que aumenta para 150 à noite.
“A terra que cabe à Codin será vendida para a Ternium [siderúrgica ítalo-argentina, do grupo Techint]”, disse Conceição. Segundo ela, a própria Ternium tem avisado sobre a volta dos moradores para a região e tem pressionado a Codin para resolver a questão. Segundo a presidente, a Codin planeja que a área seja desocupada e vendida ainda no primeiro trimestre do ano, para que a empresa não desista de se estabelecer.
“As pessoas instaladas na região podem ser retiradas pela polícia, já que as áreas não pertencem mais a elas”, disse. “Mas a Codin ainda não decidiu como vai agir”. Já a LLX preferiu ir à Justiça e, na última sexta-feira (19), conseguiu uma liminar de reintegração de posse. No momento, a companhia aguarda a atuação de um oficial de Justiça.
No total, está prevista a desapropriação de 401 propriedades, das quais 151 na primeira fase, iniciada em outubro de 2010, em uma área de 23 km², e 250 começarão no segundo semestre deste ano na área restante.
Por enquanto, apenas 16 famílias tiveram que ser reassentadas na Vila da Terra, área localizada próximo ao distrito que está sendo construída pela parceria entre a EBX e o Estado, além de outras empresas que irão se instalar no complexo. Além de receber o equivalente a R$ 100 mil por alqueire, os proprietários terão direito a um auxílio-produção, de um a cinco salários mínimos, por dois anos.
A coordenadora de projetos da Codin, Mariza Souza, explicou que a documentação dos proprietários dos terrenos é muito frágil e, para que eles não demorem a receber o valor da terra, a LLX tem entrado em contato com cada um e oferecido pagamento antecipado à liberação do valor, que é depositado pela Codin em juízo justamente por conta da fragilidade da documentação.
Os recursos da Codin só são liberados depois que todos os documentos relativos à posse da terra são regularizados. Dessa forma, a LLX passa a ser dona das terras e só recebe de volta o valor pago quando a documentação de posse é regularizada e o depósito da Codin é liberado.
Segundo Marisa, o governo do estado, desde o início, tem agido da forma mais criteriosa possível no atendimento aos moradores. Antes de começar a desapropriação, foi aberto um escritório da Codin no município para o acompanhamento da desocupação e atendimento a toda a população local.
A moradora Leci Rangel de Souza Luiz, de 57 anos, que vive com o marido Armando em uma área que ainda não foi desapropriada, afirma que já sabe que será obrigada a sair de lá, mas não gostaria de ir para o local reservado pelo estado. “Meu marido não concorda com isso, não”. Segundo Leci, Armando já teve uma terra desapropriada e faz parte das manifestações contra o distrito.
Conceição afirmou que as duas principais reivindicações dos proprietários e ex-proprietários, e que não puderam ser cumpridas, são a paralisação imediata da instalação do distrito industrial e que as terras fossem compradas não pelo valor de uma área rural, como são agora, e sim por valores de uma área industrial. “Eles [os proprietários] pediram um valor dez vezes maior pelo alqueire do que o que foi definido por decreto”, disse.
O Conselho Estadual de Direitos Humanos, ligado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento e formado por órgãos públicos, como Ministério Público, Tribunal de Justiça, e organizações da sociedade civil, abriu uma investigação para avaliar as queixas dos moradores. A presidente do Conselho, Andrea Sepúlveda, afirmou que acredita que a forma como as desocupações foram feitas deveria ter sido debatida antes com a população e com a sociedade. Em visita à região, Andrea disse ter percebido o quanto as pessoas na região são ingênuas e incrédulas.
“O direito ao desenvolvimento econômico deve ser para todos. Todos devem usufruir, os pobres e os poderosos”, frisou Andrea. Nesta quinta-feira, o conselho vai realizar uma reunião ordinária para debater as informações levantadas durante a visita do conselho ao distrito, assim como as denúncias feitas pela população local.
O secretário Estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços do Rio de Janeiro, Julio Bueno, afirmou não ter sido procurado pelo Conselho. “Muito estranho que eles não tenham vindo falar comigo até agora. Cadê a lista dos problemas?”, questionou.
Bueno voltou a afirmar que as manifestações são incentivadas por políticos interessados nas eleições locais. Além disso, destacou que há movimentos contrários à industrialização, assim como proprietários interessados em receber mais pelo terreno. Em relação às queixas contra a própria desapropriação, Bueno explicou que o estado está agindo dentro da lei.
“A democracia brasileira prevê a desapropriação”, disse. Questionado se a polícia estaria coagindo os moradores locais, Bueno afirmou que “a polícia é um instrumento do Estado democrático de direito, de ordem” e que está agindo onde é preciso.
A OSX - empresa do setor naval do grupo EBX - também está se instalando no local. A Codin prevê que até 2013, mais três empresas se instalem no distrito: NK, Tecnip e Intermoor. Segundo o diretor de implantação da LLX, Luis Barone, todo o complexo deverá receber um total de US$ 40 bilhões em investimentos até 2025.