Economia
Valor Econômico
Atraso na capitalização deve afetar balanço da Petrobras com mais dívidas financiando ritmo de investimento.
Não há alívio à vista para as ações da Petrobras. A perspectiva da gigantesca oferta de ações, entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões, já vinha pesando sobre os papéis da empresa. Mas o seu adiamento provocou nova preocupação: analistas temem deterioração do balanço da empresa, com o forte ritmo de investimentos sem geração de caixa suficiente para sustentá-los.
A companhia deve investir R$ 224 bilhões até 2014. Só neste ano são R$ 88,5 bilhões, e, sem novos recursos da oferta de ações, a tendência é que a Petrobras precise de mais empréstimos (uma das alternativas é um crédito de R$ 20 bilhões prometido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES). O índice de alavancagem da Petrobras (dívida líquida sobre capitalização líquida) poderá superar facilmente 35% depois de setembro. Este é um nível considerado crítico para que a empresa mantenha a nota de "grau de investimento" concedida pelas agências de risco de crédito. Um dos analistas a alertar sobre esse risco foi Marcus Sequeira, do Deutsche Bank em Nova York. Se a empresa fizesse um aumento de capital de US$ 60 bilhões, a alavancagem cairia para menos de 10%.
Depois de muita pressão política para acelerar o processo no Senado e concretizar a captação em julho, a Petrobras rendeu-se às dificuldades e anunciou que só irá a mercado em setembro, depois das férias de verão no Hemisfério Norte. O motivo já era conhecido há alguns meses. Não ficará pronto a tempo um dos dois laudos que estabelecem o preço do barril de petróleo da camada pré-sal, utilizado como referência para a parcela do governo no aumento de capital. A Petrobras espera ter em breve os números da certificadora internacional (DeGolyer & MacNaughton), mas a ANP, que vai certificar as reservas para a União, acabou de contratar a Gaffney, Cline & Associates e só deve ter o resultado no final de agosto.
O valor do barril é central para a operação porque o governo não entrará com dinheiro no aumento de capital, mas com títulos que representam até 5 bilhões de barris extraídos da camada pré-sal. Se o barril fosse cotado a US$ 4, por exemplo, o aporte do governo seria de US$ 20 bilhões; se fosse a US$ 5, US$ 25 bilhões, e assim por diante. Espera-se que o barril seja avaliado entre US$ 5 e US$ 7, mas dificilmente a parcela do governo superará US$ 30 bilhões (o ajuste seria feito no total de barris se o preço estabelecido estiver na faixa mais alta). A estimativa mais mencionada é de uma demanda entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões em dinheiro dos minoritários.
O adiamento foi mal recebido pelo mercado, mas alguns analistas viram pelo menos um ponto positivo. "A boa notícia é que (...) o processo terá maior transparência", afirmou Sérgio Torres, do J.P. Morgan, em relatório a clientes. A Petrobras chegou a pensar em fazer a operação usando apenas um valor e ajustando a oferta posteriormente, mas recuou por temor de questionamentos judiciais. O prospecto trará o valor final negociado entre as duas avaliações.
A sede do governo para aumentar a participação no capital da Petrobras vem acrescentando camadas de complexidade ã já intrincada operação. Segundo fontes próximas à empresa, que está em período de silêncio, a oferta terá "alocação prioritária" entre os acionistas atuais.
Uma alternativa em análise é fazer duas rodadas de subscrição consecutivas limitadas aos acionistas atuais. Especula-se que este modelo facilitaria a entrada na Petrobras do fundo soberano brasileiro, que ainda não é acionista, mas poderia entrar na segunda rodada usando o direito de subscrição do BNDES.
A melhor alternativa para a companhia seria uma oferta de ações simples, na qual todo dinheiro entraria no caixa. Mas isso exigiria um aporte grande de dinheiro do governo, quando a tendência é justamente contrária, a dos bilionários dividendos da Petrobras ajudando a garantir bons resultados das contas públicas.
Há dúvidas sobre a demanda e participação dos estrangeiros. A Petrobras tem 30% de seu capital em American Depositary Receipts, recibos de ações negociados nos Estados Unidos. Alguns analistas mencionam que fundos estrangeiros não poderiam acompanhar o aumento, por esbarrar nos limites máximos da carteira por emissor. Outros acham que o mercado não comporta uma demanda tão grande quanto os US$ 25 bilhões estimados e que os investidores teriam que vender outros papéis para participar da operação, afetando negativamente toda a bolsa, já estão contratados como coordenadores os bancos Merrill Lynch, Bradesco, Itaú, Citi, Morgan Stanley e Santander. O Banco do Brasil, responsável pela parcela de varejo, já está subcontratando bancos e corretoras para distribuição.
Enquanto o dinheiro não entra em caixa, os analistas olham com ceticismo para as premissas de geração de caixa do plano de investimentos, que prevê US$ 155 bilhões até 2014. A Petrobras prevê preço médio de US$ 81 para o petróleo nos próximos anos (US$ 72 no plano anterior), além de um crescimento anual de 9,4% na produção (a média nos últimos doze anos foi de 5,8%). Bancos de investimento fizeram simulações internas mexendo nas premissas e reduzindo a geração de caixa "real" para US$ 135 bilhões.
A aceleração dos investimentos em refino, que receberá US$ 73,6 bilhões, também é criticada. Os investimentos em refino aumentaram 70%, enquanto os de exploração, 14%, em relação ao ano anterior. A analista Mônica Araújo, da Atíva, destaca o imenso desafio da empresa para colocar de pé os projetos de desenvolvimento da produção em campos já descobertos no pós-sal, que vão melhorar a geração de caixa. O Deutsche observou em relatório que as previsões de fluxo de caixa feitas pela companhia indicam "a natureza de longo prazo dos investimentos (...) e também a baixa rentabilidade dos novos investimentos em refino".
Outros US$ 17,8 bilhões foram destinados para gás e energia, com destaque para três novas plantas de fertilizantes, que vão aumentar em 160% a atual produção de uréia e amônia. A empresa não informa o custo estimado de cada projeto, mas manteve os planos de construir a refinaria do Nordeste em Pernambuco, que vai processar 230 mil barris de petróleo por dia, e as primeiras fases do Comperj (RJ) e da refinaria Premium do Maranhão. Com isso serão acrescentados 695 mil barris/dia à capacidade de refino até 2014. Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, o foco nas refinarias, com menor rentabilidade, está diretamente ligado a questões políticas. "A nova refinaria do Maranhão é o grande exemplo em como agradar políticos. O próprio presidente Lula afirmou que os técnicos da Petrobras não queriam a construção da refinaria", lembra o economista.
O desastroso vazamento da British Petroleum no Golfo do México é mais um fator negativo que pode pesar indiretamente sobre a Petrobras. Desde o início do vazamento, em abril, a BP já perdeu mais de 51% de seu valor de mercado, caindo da quarta para a nona posição no ranking mundial. A companhia foi obrigada a reservar US$ 20 bilhões para os danos ambientais e suspender o pagamento de dividendos. Embora as regras de segurança na exploração de águas profundas sejam mais rígidas no Brasil, teme-se um aumento no custo dos seguros para a Petrobras no ano que vem.
Alguns grandes investidores demonstram irritação com o efeito da arrastada capitalização nos preços. "Nunca vi uma operação tão confusa quanto essa", diz um gestor. A indefinição prejudica o rendimento das carteiras. Neste ano, até 25 de junho, as preferenciais da Petrobras caíram 23% e as ordinárias, 22%, bem mais que os 5,5% perdidos pelo Ibovespa. A grande participação da Petrobras no índice (22,7%) torna obrigatória a aquisição por fundos de ações.
Segundo levantamento feito pela Economática para a ValorInveste, 628 fundos de investimento são acionistas ordinários da Petrobras, com R$ 15,6 bilhões aplicados, e 966 são preferencialistas, com R$ 8,8 bilhões. A maior participação em preferenciais é detida por 53 carteiras da Bradesco Asset Management, seguidas por 68 fundos da Itaú Asset. Depois vêm carteiras em nome de pessoas físicas (13), seguidas por 34 fundos do Santander e 26 do Banco do Brasil (BB). Nas ordinárias, o líder é a Caixa, possivelmente por administrar fundos com participação de entidades estatais, seguida por carteiras do Bradesco, Itaú e BB.
Enquanto as ações da Petrobras sofrem, a OGX comemora alta de 8,7%. Investidores estrangeiros que não seguem o Ibovespa vêm apostando na companhia, que ainda está longe de extrair seu primeiro barril de petróleo. A OGX vem anunciando descobertas vultosas: a última foi de 3,7 bilhões de barris recuperáveis no bloco BM C41, da bacia de Campos. A empresa de Eike Batista tem participações em 29 blocos nas bacias de Campos, Santos, Espírito Santo, Pará-Maranhão e Parnaíba e prevê investir US$ 4 bilhões.
O empresário está tentando repetir na petrolífera a estratégia bem-sucedida conduzida em sua empresa de mineração, a MMX. Batista anunciou em abril estar à procura de um investidor estratégico para 20% dos blocos detidos pela OGX na bacia de Campos. Quando concretizado, o negócio faria o valor das ações "duplicar ou triplicar", segundo o empresário. Como na venda de parte da MMX para a Anglo American, o empresário espera elevar o valor de mercado da OGX com um evento de "monetização". O mercado vem usando como parâmetro os US$ 3 bilhões pagos pela Statoil conseguidos na venda de 40% do campo Peregrino. A OGX encontrou óleo pesado na bacia de Campos semelhante ao existente em Peregrino. Em período de silêncio, a empresa não comentou.
FONTE: Valor Econômico
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