América do Sul

`Petrocaridade` de Chávez afeta negócios da Petrobras

Valor Econômico
21/08/2006 03:00
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Os programas criados pela gigante estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) no governo do presidente Hugo Chávez para vender petróleo e derivados em condições preferenciais na América do Sul e no Caribe já afetam estratégias de negócios na região de outras petroleiras internacionais, como a Petrobras e a Repsol. Chávez vem utilizando recursos da estatal para abrir uma frente de negócios na qual a lucratividade dá lugar a uma política de "petrocaridade".

A PDVSA tem feito acordos com países da região que permitem a compra de petróleo e derivados a preços altamente subsidiados, para pagamento de 50% da fatura com commodities e o resto em até 25 anos, com juros de 1% ao ano. Em alguns casos, os importadores podem pagar pelo petróleo em produtos como carne bovina, noz moscada, feijão e açúcar. Um dos acordos que mais chama a atenção é o feito com Cuba, que pode quitar a conta com a exportação de serviços de médicos e técnicos esportivos.

Só na região do Caribe os acordos firmados pela PDVSA deverão financiar US$ 1,6 bilhão por ano para fornecer quase 220 mil barris de petróleo por dia aos países da região. O cálculo, feito pela empresa de consultoria Cambridge Energy Research Associates (Cera), é conservador, pois considera o preço do barril a US$ 50. Estimativas de ex-diretores da PDVSA citados por jornais venezuelanos indicam que só este ano a fatura petroleira com os beneficiários destes convênios somará US$ 5,5 bilhões, sem incluir países onde os convênios ainda não entraram em vigor como El Salvador.

"Os programas da PDVSA interferem nas estratégias de empresas que têm a América do Sul e o Caribe como principal área de crescimento na região", diz Enrique Sira, diretor associado da Cera para região andina. Na Bolívia, a participação indireta da PDVSA na nacionalização do setor de petróleo e gás, dando assessoria ao governo de Evo Morales, é um exemplo da ingerência venezuelana nos negócios de outras companhias na região, avaliam fontes do setor.

O fato de Petrobras e PDVSA terem definido como meta, em seus respectivos planos estratégicos, serem líderes do mercado de energia regional e buscarem os mesmos mercados para seus produtos cria um conflito natural de interesses entre as duas empresas. No Uruguai, a PDVSA assinou um convênio com a estatal Ancap, pelo qual a empresa pode importar até 12 carregamentos de 1 milhão de barris de petróleo venezuelano por ano.

As condições comerciais desse acordo determinam que 75% do pagamento seja feito em 90 dias, em produtos como gado, casas pré-fabricadas e softwares. Os restantes 25% podem ser pagos em 15 anos com juros de 2% ao ano. Em contrapartida, a Venezuela tem preferência dada pela Ancap para ampliar a refinaria La Teja, projeto também cobiçado pela estatal brasileira. "O projeto da Petrobras é alternativo ao da PDVSA, mas não nos sentimos à vontade de negociar com a Petrobras enquanto não concluirmos as discussões com a PDVSA", disse o gerente-geral da Ancap, Sergio Lattanzio.

A estratégia da Venezuela para tornar-se líder no continente também passa pelo uso direto do dinheiro do petróleo para comprar simpatia política. O governo venezuelano destinou US$ 3,2 bilhões para aquisição de títulos da dívida pública da Argentina e US$ 100 milhões para a compra de bônus do Tesouro paraguaio.

Na Bolívia, Chávez aplicou US$ 130 milhões em fundos de financiamento de projetos sociais e de infra-estrutura. E para os cocaleiros, berço político do presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou investimentos de US$ 100 milhões em fábricas de farinha e de chá de coca, além de coloaborar na campanha de legalização do cultivo da folha de coca.

"A Venezuela é um aliado pelas reservas que possui e pelo capital de que dispõe", afirma o ex-deputado, engenheiro, economista e hoje diretor-geral da Escola de Políticas Públicas e Governo do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Luiz Alfredo Salomão.

"Do ponto de vista social, não acho que sejam condenáveis as iniciativas que Chávez está adotando. O problema é que ele está fazendo fazendo isso movido pela ideologia do confronto. O objetivo parece ser reunir um bloco de aliados para criar dificuldades para os Estados Unidos. Mas as ações não são sustentáveis e mais cedo ou mais tarde, com a queda do petróleo, isso vai cessar", afirma Salomão.

Quando Chávez assumiu o governo, o barril de petróleo custava US$ 9, ante os US$ 70 atuais. Na visão de Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), o maior problema causado pela ambígua política venezuelano é que ela provoca concorrência desleal em dois aspectos: no econômico e no político. "Quem precisa comprar petróleo escolhe a melhor proposta comercial e ninguém consegue competir com a PDVSA se ela dá petróleo quase de graça. Outro ponto negativo é nos investimentos", diz.

Pires pondera ainda que ao ajudar o governo de Evo Morales na Bolívia quando ele decidiu nacionalizar a indústria, a Venezuela prometeu novos investimentos em refinarias e exploração de petróleo e gás. "Isso é muito ruim. Tira mercado das outras e gera desinvestimento nesses países no longo prazo", afirma o economista do CBIE.

Por outro lado, ele acha que a Petrobras só fechou um acordo de parceria com a Petroperu porque o candidato apoiado por Chávez, Ollanta Humala, perdeu para Alan García - com quem Chávez havia trocado desaforos durante a época de campanha.

Sem publicar balanços contábeis desde 2003, a PDVSA afirma que produz atualmente 3,2 milhões de barris de petróleo por dia - equivalente a sua cota na Opep - mas o número estaria superestimado. Segundo estimativas de mercado, a produção atual estaria entre 2,45 milhões de barris/dia a 3 milhões de barris/dia. Este último é a previsão do BP Statistical Review.

Enrique Sira, da Cera, prevê que no médio e longo prazos a política expansionista da PDVSA na região pode ser frustrada. "Com os preços do petróleo altos, a Venezuela pode oferecer termos favoráveis aos parceiros assumindo um custo político. Mas, em um cenário de preços baixos e sem aumentar a produção, será difícil respaldar os acordos que a PDVSA vem assinando com os países da região", diz Sira.

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