Julia Mota e Ana Clara Chicrala
Apesar da pandemia de coronavírus, o Brasil atingiu a média de 2,94 milhões de barris de petróleo por dia (Mb/d) em 2020, representando um aumento de 5,5% em relação a 2019. Com essa produção, o país superou o terceiro maior produtor de petróleo da OPEP, os Emirados Árabes Unidos, com 2,77 Mb/d.
A Petrobras, líder mundial em tecnologia de exploração de petróleo em águas ultraprofundas, somente em 2020, efetuou R$ 110 bi em transações através do seu portal de compras Petronect. Foram 160 mil licitações (fonte: petronect.com.br).
Através do Petronect, a empresa seleciona seus fornecedores através de um processo de cadastro com requisitos financeiros, legais, técnicos, de SMS e de integridade.
Refletimos anteriormente sobre o Grau de Risco de Integridade (GRI) e a sua nebulosa forma de avaliação, o que impede diversas empresas de participarem de licitações.
Recentemente esse requisito tornou-se o pesadelo dos fornecedores, já que de forma surpreendente, em qualquer momento da licitação, a comissão de licitação pode anunciar que o fornecedor está desclassificado, em função de nota alta (vermelha) no critério GRI, sem qualquer justificativa, mesmo após já ter sido declarado vencedor.
Isso porque a Petrobras alega que o departamento Due Diligence de Integridade (DDI) é independente e que suas análises são feitas de forma neutra, sem qualquer influência de outros departamentos da empresa. Assim, mesmo que uma determinada área da empresa tenha interesse em contratar o fornecedor, caso ele tenha sido taxado de “alto risco”, a contratação não pode ocorrer.
O que causa estranheza é o fato de que por vezes o fornecedor que recebe uma nota alta possui contrato em curso com a Petrobras, restando evidente que não há nenhum fato ou conduta que, ao menos no presente, possa conduzir a qualquer sanção ou penalidade.
Afigura-se que os parâmetros de avaliação do Critério de Integridade estão cada vez mais complexos e diversificados, exigindo uma atenção redobrada dos fornecedores, para evitar surpresas durante o procedimento licitatório.
Trata-se de procedimento realizado por meio de preenchimento de questionário de due diligence (auditoria) de integridade, realização de pesquisas a fontes abertas, e, por fim, a avaliação do Grau do Risco de Integridade - GRI. Os fatores de risco são avaliados em relação aos seguintes pontos: perfil da empresa; relacionamento com o poder público; histórico e reputação e mecanismos de prevenção, detecção e correção de irregularidades e atos de corrupção.
Os critérios acima estão de acordo com o previsto no art. 42 do Decreto 8420/15, Portaria CGU 909/15, a Portaria Interministerial 2.279/15, o “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas” da CGU e demais orientações nacionais e internacionais.
A Petrobras exige, com o mesmo rigor, que os seus contratados e seus fornecedores tenham o comprometimento da alta direção, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa de integridade conforme prevê o decreto acima referido.
Além disso, conforme o art. 42 do Decreto 8420/15 a empresa deve ter padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos assim como estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados além de canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé, entre outras exigências previstas na legislação.
No entanto, ainda que tais critérios sejam atendidos pelas empresas, pouco se sabe da efetiva valoração destes itens que geram ao final a nota no critério integridade. Um fato ocorrido há 10 anos atrás, por exemplo, pode ensejar uma nota vermelha, mesmo que contra a empresa não exista nada desabonador. Ou poderá se questionar como se comprovaria o comprometimento da alta direção. Há uma sensível subjetividade que traz insegurança jurídica para as empresas que participam das licitações.
O critério de seleção tem respaldo na Lei das Estatais (nº 13.303/2016), que dispõe que deve ser observada a política de integridade nas transações com partes interessadas (art. 32, inc. V). No entanto, apesar de poucas decisões ainda sobre a matéria, alguns tribunais têm decidido contra a atribuição de grau de risco de integridade alto sem fundamentação, devido ao cerceamento à ampla defesa e ao contraditório. Considera-se que a licitante deve ter ciência da motivação que embasou sua desclassificação, e assegurado minimamente e ainda na esfera administrativa a oportunidade para que possa contraditar a decisão da Petrobras.
Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União (TCU) também vem se manifestando contrariamente a desclassificações injustificadas, fundamentadas apenas pelo grau alto de GRI, indicando a necessidade de exposição dos fatores que fundamentam as notas atribuídas, a partir dos critérios utilizados nas análises empreendidas.
A Petrobras tem a prerrogativa de vedar o acesso às licitações aos fornecedores que tem problemas relacionados a desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos, e assegurar a seleção da proposta mais vantajosa para a empresa. No entanto, assim como outras estatais, deve respeitar princípios constitucionais, como o art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, que estabelece que somente são permitidas exigências de qualificação indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações objeto do contrato, e o art. 5, inc. LV, que resguarda o direito à ampla defesa e ao contraditório, garantia fundamental condizente com uma sociedade democrática.
Sobre as autoras: Julia Mota é sócia fundadora do Mota Advogados e Ana Clara Chicrala é associada Mota Advogados
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