Opinião

O marco do petróleo como inspirador para a mineração

Simples truísmo, a aquisição de informação sobre reservas exploratórias é fator essencial, comum à mineração e à indústria de óleo e gás. A análise econômico-financeira do potencial de uma

Valor Econômico
14/01/2014 17:23
Visualizações: 91 (0) (0) (0) (0)
O ganhador do Prêmio Nobel de Economia, Ronald Coase, escreveu em 1970 um artigo intitulado "The Auction System and North Sea Gas: a comment", no qual expôs suas conclusões acerca do modelo de concessão de direitos exploratório de gás na Inglaterra. Observou ele, já naquela época, que o sistema de adjudicação, ao maior pagador, de reservas de petróleo e gás em leilão é o modelo mais eficiente em alocar os direitos exploratórios aos agentes econômicos que conduzirão os projetos.

Foi justamente esse o padrão adotado pela Lei 9.478/97 (a "Lei do Petróleo"), que extinguiu o monopólio da Petrobras na execução das atividades de exploração de petróleo e gás no Brasil. A proposta do novo marco regulatório das atividades de mineração, consubstanciada no Projeto de Lei 5.807/2013 do governo, pretende replicar o mesmo modelo para a mineração - focado na bem sucedida experiência no petróleo e gás - em oposição ao atual regime de prioridade, por meio do qual o direito de pesquisa e exploração mineraria é concedido ao primeiro que o requerer. Embora o novo substitutivo preliminar apresentado pelo deputado Leonardo Quintão, da Comissão Especial de Mineração da Câmara dos Deputados reveja esta questão, temos visto raras críticas à proposta do novo marco que sejam desapaixonadas. Por isso mesmo, uma análise centrada nos desdobramentos da mudança de regime da mineração se faz necessária.

Simples truísmo, a aquisição de informação sobre reservas exploratórias é fator essencial, comum à mineração e à indústria de óleo e gás. A análise econômico-financeira do potencial de uma certa jazida, ou campo exploratório depende, sobretudo, da qualidade e detalhamento das informações obtidas nos reservatórios.

Existe uma arraigada aversão ao financiamento externo de projetos na fase de pesquisa pioneira

À época do advento da Lei do Petróleo, informações originadas em 40 anos de pesquisas realizadas pela Petrobras para mapeamento de bacias e depósitos de hidrocarbonetos no Brasil, grande parte deles em águas profundas, foram entregues à ANP para utilização dos futuros interessados nos leilões dos blocos. Na mineração, centenas de anos de pesquisas realizadas por particulares e, em menor escala, pelo CPRM, cobrem vastas áreas do território nacional, superiores às das bacias geológicas visitadas em busca do petróleo. Como na Lei do Petróleo, a proposta do novo marco regulatório atribui à titularidade da União a totalidade dos dados técnicos e informações sobre as atividades de pesquisa e lavra, cabendo à ANM sua requisição, apropriação, guarda e administração.

No caso da Lei do Petróleo, porém, os dados geológicos dos depósitos de hidrocarbonetos não eram um ativo da Petrobras, mas da União. Portanto, podia esta adotar um novo regime, tornando esses dados acessíveis ao público. Já no caso da mineração, os dados e informações técnicas são, a rigor, um predicado das empresas mineradoras ou de pesquisa, com atividade regular. A transferência da propriedade dessas informações para a União é chamada expropriação e deve ser indenizada pelo Estado aos particulares. Nesse sentido, tanto o PL 5.807/2013 quanto o substitutivo omitem quaisquer sinais da intenção do Estado de indenizar os particulares, o que é prenúncio de disputas judiciais.

É também premissa inarredável, tanto na indústria de petróleo e gás quanto na mineração, uma arraigada aversão ao financiamento externo de projetos na fase de pesquisa pioneira. Quando da introdução da Lei do Petróleo, não havia no Brasil nenhuma outra empresa, além da Petrobras, com operação no upstream. Assim, a parte situações específicas de cada investidor, os bônus de assinatura e outros custos de capital na fase de exploração sempre poderiam ser cobertos com fundos corporativos, pois as empresas que desejassem operar no Brasil ainda teriam de ser constituídas e computariam tais gravames em cada leilão.

A adoção, no PL 5.807/201, de critérios análogos para a indústria brasileira de mineração configura, inesperada e surpreendentemente, séria ameaça de comprometimento dos rigorosos covenants financeiros contraídos pelos mineradores em contratos de financiamento já existentes, podendo gerar default e inibir o acesso a novos projetos, embora a oportuna restrição, proposta no substitutivo, limitando tais critérios apenas aos casos de licitações de áreas. Resta ainda considerar, entre os encargos do novo regime de concessão, aplicáveis às pesquisas em andamento, em evolução para a concessão de lavra, a assunção obrigatória das incertezas inseparáveis do programa exploratório mínimo. Do ponto de vista legal, essas práticas afetam a necessária segurança jurídica, face à violação de um direito reconhecido no regime anterior, igualmente potencializando disputas judiciais.

No particular da formalização dos contratos de concessão, o governo conseguiu, nos 16 anos desde o advento da Lei do Petróleo, promover 10 rodadas de licitação, totalizando cerca de 420 contratos de concessão. No mesmo ritmo em que se move a ANP, passariam décadas até o aperfeiçoamento de todos os contratos de concessão na mineração ou, alternativamente, a ANM careceria de abundante aparelhamento em funcionários, para níveis sem precedentes na história das agências reguladoras.

Neste momento, é notório que o governo brasileiro contabiliza os resultados do leilão do Campo de Libra para fechar as contas públicas de 2013. Evidentemente, recursos de mesma monta vindos da mineração - segundo o PL 5.807/2013 -serão sempre muito bem acolhidos. Contudo, os costumeiros gargalos da mineração, como autorizações ambientais, deficiências de infraestrutura e questões fundiárias seguem carentes da mesma atenção, e da indispensável prudência legislativa e gerencial.

Questiona-se, diante dos pontos levantados: 1- seria o novo marco da mineração nos termos do PL 5.807/2013 capaz de revigorar a indústria da mineração? 2- teria o Estado a capacidade de atrair os recursos indispensáveis para o espantoso ônus que se estaria impondo? Como poderia dizer Ronald Coase, devemos tratar o mundo do jeito que ele é, e não do jeito que gostaríamos que fosse.
 

Guilherme Vieira da Silva é sócio da prática de mineração de Tauil & Chequer associados a Mayer Brown

Antonio Sarmento é sócio da prática de Petróleo e Gás de Tauil & Chequer associados a Mayer Brown
Mais Lidas De Hoje
veja Também
Mossoró Oil & Gas Expo
Mossoró Oil & Gas Energy começa amanhã (26)
25/11/24
Mossoró Oil & Gas Expo
Mossoró sedia maior evento nacional com foco no setor de...
25/11/24
Internacional
Na Inglaterra, ORPLANA destaca o futuro da cana-de-açúca...
25/11/24
Firjan
Na Firjan, Petrobras lança planos Estratégico 2050 e de ...
25/11/24
Royalties
Valores referentes à produção de setembro para contratos...
25/11/24
Evento
Subsea Symposium - Nas águas profundas da tecnologia
25/11/24
Termelétrica
Flash Energy fecha contrato de compra de energia do Merc...
25/11/24
Seminário
IBP promove seminário sobre reforma tributária no setor ...
25/11/24
Etanol
Hidratado fecha a semana praticamente estável e anidro v...
25/11/24
PE 2025-2029
Plano de Negócios 2025-2029 da Petrobras é apresentado c...
22/11/24
Bacia de Campos
Porto do Açu recebe P-26 para suporte a Reciclagem Verde
22/11/24
Gasolina
ANP publica painel dinâmico com dados de qualidade da ga...
22/11/24
Apoio
OceanPact apoia Mubadala Brazil SailGP Team, liderado pe...
22/11/24
Energia Solar
Brasil alcança 3 milhões de instalações com energia sola...
22/11/24
Resultado
Subsea7 atinge US$ 321 milhões em EBITDA ajustado no 3T2...
21/11/24
Pré-Sal
Com projeto Búzios 9, Tenaris reforça posição como forne...
21/11/24
Inclusão social
Dia da Consciência Negra: Mulheres negras empreendedoras...
20/11/24
Parceria
Amcham destaca parceria estratégica entre Brasil e EUA n...
20/11/24
Etanol
Aprovação de projeto que regulamenta mercado de carbono ...
20/11/24
MME
Resultados do GT de transições energéticas são integrado...
19/11/24
Salvador
Encontro Internacional de Energia já está com inscrições...
19/11/24
VEJA MAIS
Newsletter TN

Fale Conosco

Utilizamos cookies para garantir que você tenha a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você concorda com a nossa política de privacidade, termos de uso e cookies.

21