Tapete vermelho

Não precisa ser um jogo de soma zero

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
14/05/2010 19:39
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É com mal disfarçado orgulho que os pesquisadores da área de cana e bioetanol contam que, quando chegam a qualquer evento internacional, é para o Brasil que se desenrola o tapete vermelho. "Nessa área de ciência e tecnologia, nossa superioridade é incontestável", afirma Marcos Buckeridge. Nenhum outro país produz tantos "papers" (trabalhos científicos) sobre o tema.

 

Estimativas conservadoras indicam que o Brasil tem condições de produzir etanol de cana suficiente para substituir 5% da gasolina consumida hoje no planeta. Contraditoriamente, é o fato de este ser o único pais do mundo a dominar essa tecnologia que impede que o etanol brasileiro decole no mercado internacional. "Seria interessante que outros países com características de solo e clima semelhantes também tivessem sua produção, para que o etanol se tornasse uma commodity", avalia Glaucia Souza, do Bioen. A Índia, segundo maior produtor mundial de açúcar de cana, começa a manifestar interesse pela tecnologia do etanol combustível, mas tem problemas estruturais, notadamente a questão fundiária. Lá, a produção se concentra em pequenas propriedades.

 

"Os países africanos seriam excelentes candidatos também, mas carecem de estabilidade política, infraestrutura e mão-de-obra especializada. Restam países latino-americanos como Argentina e Colômbia e as ilhas caribenhas", explica Luiz Augusto Barbosa Cortez, da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade de Campinas (Unicamp). Cortez é o autor do estudo que afirma ser o Brasil capaz de substituir por etanol 5% da gasolina usada no mundo. De acordo com ele, outros países não vão trocar a dependência do petróleo vindo do conturbado Oriente Médio pelo etanol produzido em apenas um país. Daí os esforços diplomáticos brasileiros para explicar no exterior a política de produção de bicombustível.

 

"Circunstâncias históricas fizeram aqui a melhor agricultura do mundo para produção de cana e levaram o país a investir no álcool combustível. Temos gente qualificada em todos os níveis de produção", afirma Cortez. São Paulo, que, com 22 milhões de hectares, tem 3% da área do Brasil, usa metade desse espaço para pasto e 5 milhões de hectares para cana. No país, a cana ocupa 8 milhões de hectares.

 

Há números divergentes sobre qual parcela do território brasileiro está apta para o plantio de cana. Segundo o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), dos 850 milhoes de hectares do território nacional, 360 milhões servem para essa lavoura. Já o Ministério da Agricultura fala em algo em torno de 60-65 milhões de hectares. "Plantamos cana na terra mais cara do país, a de São Paulo, por causa da infraestrutura de transporte existente no Estado. O plantio está se expandindo para o norte do Paraná, sul de Minas, além de regiões de Mato Grosso e Goiás por que essas áreas oferecem essa infraestrutura", explica Cortez.

 

Cortez acredita que a produção pode crescer ainda mais sem que a cana substitua outras culturas e sem que entre nos pastos e empurre a pecuária para áreas ocupadas por floresta. "Se a cana entra no pasto e reduz o tamanho do pasto, preservo a Amazônia. É bom lembrar também que a cana compensa, e muito, a emissão de gases do efeito estufa feita pelo gado." Não se trata, portanto, de um jogo de soma zero.

 

Hoje, no Brasil, um único boi dispõe de 0,7 hectare para pastar. Imagine-se agora uma propriedade de 100 mil hectares voltada para a pecuária, onde se destine 30 mil hectares para produção de cana e instalação de uma usina, reduzindo-se o espaço ocupado pelo gado a 70 mil hectares. O resultado é a manutenção da mesma produção de carne - importante para a pauta de exportações - acrescida agora da produção de etanol combustível. "Num espaço menor, também se pode pensar em recolher parte do esterco e, com um biodigestor, produzir metano e mais combustível."

 

A cana pode gerar ainda mais energia além daquela do etanol. "A palha da cana pode ser queimada e produzir energia termoelétrica, algo que algumas usinas já fazem. Mas, vamos às contas. São 5 milhões de hectares produzindo 12 toneladas de palha por hectare, o que equivale a uma Itaipu por ano que jogamos fora por que não temos linhas de transmissão das usinas para os linhões de distribuição de energia elétrica."

 

O Brasil tem diante de si uma oportunidade única de se posicionar na liderança do setor de biocombustíveis, observa Cortez. "Podemos produzir açúcar de alta qualidade, etanol em quantidade suficiente para abastecer o mercado externo, sem devastar florestas e sem gerar resíduos prejudiciais ao ambiente. É por isso que o Brasil precisa não apenas investir em pesquisa, mas pautar toda discussão internacional sobre hidrólise da celulose." (RHB)
 

 

 

 

Por Davilym Dourado/Valor

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