Artigo

Hidrogênio verde: o que fazer para não perder o bonde? por Felipe Kury

Redação TN Petróleo/Assessoria
28/02/2023 13:27
Hidrogênio verde: o que fazer para não perder o bonde? por Felipe Kury Imagem: Divulgação Visualizações: 562 (0) (0) (0) (0)

O hidrogênio verde pode desempenhar um papel fundamental para ajudar o mundo a reduzir as emissões de gases de efeito estufa com objetivo de alcançar o “net-zero emissions” até 2050. Como complemento a outras tecnologias, incluindo energia renovável e biocombustíveis, o hidrogênio verde tem o potencial para descarbonizar indústrias, incluindo siderurgia, petroquímica, fertilizantes, transporte pesado, navegação marítima e aviação, bem como para ajudar na geração de energia, entre outras aplicações.

O Brasil pode se tornar um dos líderes mundiais na produção de hidrogênio verde – que utiliza fontes de energia renovável, tais como eólica, solar e hídrica. De fato, o país reúne atributos inigualáveis, como fontes renováveis de energia em abundância, rede elétrica integrada de baixo carbono e uma indústria nacional relevante para geração de demanda – além de uma posição geográfica estratégica importante para exportar hidrogênio verde, principalmente para a Europa e os Estados Unidos (EUA).

Segundo estudo recente da McKinsey & Company, o hidrogênio poderá contribuir com mais de 20% nas reduções de emissões globais anualmente. No caso do Brasil, a produção pode gerar uma oportunidade total de USD 15 a 20 bilhões em receitas até 2040, sendo que quase metade deste valor seria para atender o mercado doméstico, especialmente transporte pesado, produção de aço e outras indústrias intensivas em energia. Adicionalmente, outros US$ 4 a 6 bilhões poderiam vir de exportações de derivados verdes para os EUA e Europa, já que os custos de produção no Brasil seriam mais competitivos se comparados com exportações de outros países. Ainda assim, alguns projetos se destacam no Brasil.

No final de 2021, foi anunciada uma joint venture entre o Governo do Estado do Ceará e o Porto de Roterdã (o maior e principal da Europa), fazendo com que o complexo do porto de Pecém passe a abrigar um dos maiores projetos de produção de hidrogênio verde no país. O projeto, que tem foco na exportação, deve produzir em grande escala para atender o mercado doméstico, com aplicações em mobilidade pesada, indústria do aço, produção de químicos e mistura para as redes de transporte de gases. O fornecimento acontecerá a partir de uma unidade industrial com capacidade instalada de eletrólise entre 100 MW e 150 MW, durante um período de ativação que vai até 2026. Porém, o objetivo principal é chegar a 4 GW de capacidade em 2030.

Em outra importante iniciativa, em meados de 2022, o complexo Industrial Portuário de Suape anunciou que vai arrendar uma área para a instalação de uma planta industrial produtora de hidrogênio verde. O investimento estimado é de US$ 3,5 bilhões, com 1 GW de capacidade de eletrólise e área de 72,5 hectares. O arrendamento será por 25 anos, sendo possível prorrogação por igual período. A área situa-se fora da poligonal do Porto Organizado, sendo administrada diretamente pela estatal portuária. Na futura fábrica, o hidrogênio verde será produzido a partir da dessalinização da água do mar.

Outro projeto de destaque é da Unigel (Industria Química Brasileira Unigel), que anunciou, em janeiro de 2023, que investirá até US$ 1,5 bilhão na Bahia para produção de hidrogênio verde. O complexo se destaca como a primeira instalação do país para produção em escala industrial. Localizada em Camaçari, a fábrica deve ter a primeira de três fases inaugurada até o fim deste ano, ampliando a capacidade até chegar em 2027 produzindo 100 mil toneladas de hidrogênio, ou 600 mil de um de seus derivados, a amônia.

E, finalmente, também entre os projetos de grande relevância, estão a Shell Brasil e o Porto do Açu que assinaram, em novembro de 2022, um Memorando de Entendimento (MoU) para o desenvolvimento conjunto de uma planta-piloto de geração de hidrogênio verde nas instalações do porto, localizado na região norte do estado do Rio de Janeiro. O projeto deverá ficar pronto em 2025 e terá capacidade inicial de 10 MW (Mega Watt), podendo chegar a 100 MW, com investimentos estimados entre US$ 60 milhões e US$ 120 milhões.

Observa-se nos projetos mencionados acima que investimentos no desenvolvimento da infraestrutura estão acontecendo, principalmente em áreas portuárias para facilitar o acesso de insumos e distribuição do produto para exportação ou mercado doméstico. Entretanto, para que o hidrogênio verde tenha contribuição importante na transição energética, é necessário acelerar o desenvolvimento da infraestrutura de distribuição, a integração de toda a cadeia de valor e, inevitavelmente, aumentar a produção em grande escala ao longo da próxima década.

Do lado da demanda, os formuladores de regulação e política públicas deveriam criar mais incentivos para a economia verde e/ou taxação para economia fóssil, além de estabelecer cotas para que as empresas possam desenvolver planos mais agressivos de transição energética. Evidentemente, estes incentivos e/ou taxação precisam ser bem estruturados para não criar desequilíbrios concorrenciais e/ou de competividade, além de considerar as características e nível de desenvolvimento de cada setor da economia.

A demanda de hidrogênio atingirá adoção em larga escala somente quando o fornecimento de hidrogênio limpo de baixo custo estiver disponível. Isso exigirá um aumento na capacidade de eletrólise e acompanhamento da capacidade de energia renovável, bem como a construção de infraestrutura de captura, utilização e armazenamento de carbono. Quanto antes estes investimentos forem feitos para alcançar uma produção em grande escala, mais rápido será possível alcançar a competividade de custos.

Não dúvidas de que o Brasil poderá ser um dos lugares mais competitivos do mundo para produzir hidrogênio verde. Para isso, o país precisa acelerar o desenvolvimento da demanda local e internacional, preferencialmente com contratos de longo prazo e, assim, garantir o fluxo de investimentos necessário para realizar os primeiros projetos e as infraestruturas associadas. Igualmente importante, o país precisa desenvolver políticas públicas e regulação adequadas para estabelecer um ambiente de negócios favorável no longo prazo.

Num momento de grandes incertezas, adversidades e limitações de investimento pelo setor público, atrair o capital privado requer uma coordenação e equilíbrio eficiente dos vários interesses em questão. Esses fatores tornam ainda mais crítica a construção de uma agenda de Estado, de longo prazo, que promova estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica para o setor e para o país. Sem isso, o Brasil corre o sério risco de ficar para trás – como habitualmente, perdendo o bonde.  

Sobre o autor: Felipe Kury é ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e consultor independente.

Mais Lidas De Hoje
veja Também
Transição Energética
Gás natural atua como aliado na transição energética em ...
23/08/24
Energia Elétrica
CCEE realizará testes dos novos serviços que prometem mo...
22/08/24
Energia Solar
Prime Energy inaugura nova usina solar em Batayporã, Mat...
21/08/24
Equidade Racial
Braskem adere ao Pacto pela Promoção da Equidade Racial
20/08/24
Sustentabilidade
Shell Eco-marathon Brasil: um desafio de inovação e sust...
19/08/24
Fenasucro
Fenasucro & Agrocana aponta aviação mais verde até 2030
16/08/24
Energia Eólica
Líder na geração de energia renovável, Bahia atinge o ma...
16/08/24
Fenasucro
Produção de biometano pode descarbonizar frota pesada no...
15/08/24
Bahia
Semiárido baiano ganha projeto da ABDI para produzir bio...
14/08/24
Energia renovável
CCEE, Itaipu e CIBiogás se unem para fortalecer certific...
13/08/24
Energias Renováveis
Senai inaugura o 1º Centro de Excelência em Energias Ren...
13/08/24
Fenasucro
Maior feira mundial de bioenergia começa nesta terça-fei...
12/08/24
Meio ambiente
Petrobras lança ferramenta digital que incentiva o abati...
12/08/24
Fenasucro
Futuro da bioenergia e agenda ESG serão os focos da prog...
08/08/24
RenovaBio
RenovaBio: aprovada revisão de resolução sobre metas ind...
08/08/24
Tecnologia e Inovação
CIMATEC, PETROBRAS e startup francesa SP3D unem forças p...
08/08/24
Reputação
90% dos brasileiros afirmam que Responsabilidade Social ...
06/08/24
DIVERSIDADE E INCLUSÃO
Diversidade e inclusão ainda é um desafio nas empresas, ...
05/08/24
Saúde Mental
PUCRS e Universidade do Canadá lançam programa de promoç...
05/08/24
Cidades Sustentáveis
Eletrificação dos ônibus: o caminho para cidades mais su...
02/08/24
Fenasucro
Fenasucro & Agrocana anuncia participantes da Rota da In...
01/08/24
VEJA MAIS
Newsletter TN

Fale Conosco

Utilizamos cookies para garantir que você tenha a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você concorda com a nossa política de privacidade, termos de uso e cookies.

20