O governo de Pernambuco deve confirmar, nos próximos dias, o aforamento gratuito de uma área de 545 hectares do porto de Suape, no litoral sul do estado. Assim que for assinado o contrato, que já está pronto e foi aprovado pela Advocacia Geral da União (AGU), o executivo estadual passará a deter o domínio útil e perpétuo do terreno, o que na prática vai significar lucros milionários com a possibilidade de venda futura de lotes em um dos complexos portuários que mais crescem no país.
Atualmente, o porto é apenas ocupante da área, um terreno de Marinha, pertencente à União, sobre o qual Suape não tem direito algum. No regime de ocupação, o governo estadual paga anualmente à União a taxa equivalente a 2% ou 5% do valor do imóvel e convive com o risco legal de ser despejado a qualquer momento e sem justificativa. Sob o regime de aforamento, Suape assume a titularidade dos direitos sobre a área, incluindo sua alienação. A taxa anual paga à União, neste caso, é de 0,6%.
A Ilha de Cocaia - nome do terreno prestes a ser aforado - fica em uma das áreas mais nobres do Complexo Industrial e Portuário de Suape, que abrange mais de 3 mil hectares nos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho. Além desta ilha, o governo estadual pleiteia a regularização fundiária de pelo menos mais 1,7 mil hectares de terrenos de marinha dentro do porto, de forma a aumentar a segurança jurídica ao território. Caso tenha sucesso, Suape passará a ter o domínio sobre uma área cujo valor gira hoje ao redor dos R$ 500 milhões.
O montante, contudo, poderá ser muito maior, se considerada a intensa valorização das áreas mais cobiçadas do porto. Com 560 hectares, a Ilha de Tatuoca é outra área atualmente ocupada por Suape, e pretendida para aforamento gratuito. Endereço do polo naval que está sendo erguido em Pernambuco, a área teve o metro quadrado valorizado em cerca de 35% nos últimos quatros anos, levando-se em conta o preço pago à União pelos três estaleiros que já adquiriram terrenos no local.
Instalado em 2008, o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) desembolsou R$ 31 milhões por uma área de 150 hectares em Tatuoca, o que resulta em cerca de R$ 20 por metro quadrado. Mais recentemente, o estaleiro Promar negociou 80 hectares por R$ 22,4 milhões, ou R$ 28 o metro quadrado, mesmo preço acertado pelo estaleiro CMO, que adquiriu 40 hectares por R$ 11,1 milhões. Nos três casos, os estaleiros só conseguiram os direitos sobre as áreas por meio do aforamento oneroso, no qual o interessado tem que comprar da União os 83% que correspondem ao domínio útil do imóvel.
Especialista em direito portuário e terrenos de marinha, o advogado Danilo Oliveira Rodrigues de Lima explica que o aforamento é fundamental para essas empresas porque, por este modelo, o terreno pode ser oferecido como garantia para a contratação de empréstimos junto ao BNDES, principal financiador da indústria naval e dos equipamentos portuários. No caso da ocupação, ele frisa, o imóvel não pode entrar na transação.
Para o governo pernambucano, o grande benefício é justamente o financeiro, segundo explicou Frederico Amâncio, vice-presidente do Porto de Suape. Ele informou que os recursos levantados com a venda das áreas poderão ser usados, por exemplo, para ampliação e modernização do complexo. Por este motivo, o aforamento dos terrenos está previsto no Plano Diretor do porto, que estabelece metas a serem atingidas até 2030.
O executivo informou que o valor dos terrenos será corrigido periodicamente por meio de avaliações independentes, o que poderá aumentar, e muito, o patrimônio do governo estadual. Para Oliveira, uma alternativa interessante para Suape seria a incorporação das áreas aforadas ao capital social do porto, o que poderá proporcionar musculatura financeira para captações de recursos que, eventualmente, se façam necessárias.
Por representar uma perda de arrecadação para a União, o aforamento gratuito de terrenos de marinha, mormente os existentes em áreas portuárias, raramente é concedido. Responsável pela gestão dos bens federais, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), vinculada ao Ministério do Planejamento, não dispõe sequer de um histórico dos últimos aforamentos gratuitos realizados. De acordo com Oliveira, não se tem notícia, na última década, de operações desse tipo envolvendo áreas portuárias.
O superintendente da SPU em Pernambuco, Paulo Ferrari, admite ser difícil a concessão de um aforamento gratuito nesse tipo de terreno. No caso de Suape, ele explica, o governo de Pernambuco conseguiu provar que havia desembolsado, nos anos 1970, recursos para a aquisição da Ilha de Cocaia. O mesmo não ocorre com outras áreas pretendidas.
O principal requisito para a obtenção de um aforamento gratuito é a comprovação de que a área em questão teve proprietários devidamente regularizados desde antes da promulgação do Decreto Lei 9.760, em 1946.