Valor Econômico
A Petrobras está muito cautelosa com seus planos para a exploração do pré-sal. Diz que é cedo para falar em números, já que ela ainda não fechou sequer as compras para o teste e o piloto de Tupi. O plano estratégico, que vai incluir os investimentos na área, só fica pronto em setembro. Algumas decisões de ordem técnica, contudo, vão tornar alguns fabricantes mais felizes e outros, menos.
O presidente da Associação Brasileira de Geólogos do Petróleo e sócio da consultoria HRT, Márcio Mello, avalia que 70% dos equipamentos necessários para desenvolver Tupi já são fabricados pela indústria nacional. Mesmo assim, diz que o pré-sal vai "revolucionar o Brasil". Em volume e em tecnologia.
A descoberta de reservas tão gigantescas aconteceram no momento em que o preço do petróleo já bateu US$ 129 o barril depois de um movimento ascendente que levou todas as petrolíferas a tirar da gaveta seus planos de investimento. O resultado são fábricas, siderúrgicas e estaleiros lotados de encomenda no mundo todo.
Hoje, nenhuma companhia do mundo extrai petróleo na profundidade em que foram encontrados os campos no pré-sal da Bacia de Santos. Os equipamentos terão de ser feitos com materiais mais resistentes à corrosão e altas pressões, já que o óleo extraído daí vem acompanhado com altos teores de gás carbônico e gás sulfídrico.
Devido à profundidade dessas áreas até que se atinja o solo marinho - entre 2,2 mil e 3 mil metros abaixo da linha do mar, sem contar os quilômetros de tubulação que terão de ser construídos a 300 quilômetros da costa - os fornecedores da Petrobras terão de usar insumos especiais. Para as linhas flexíveis serão utilizados aços inoxidáveis de um tipo especial e resistentes à corrosão (chamados superduplex), tubulações com camadas de um tipo de polímeros, um tipo especial de náilon resistente a altas temperaturas, e também ligas de níquel para ter tubos flexíveis reforçados. Esses produtos não são produzidos no Brasil.
É um momento auspicioso para a Wellstream, que está aumentando a capacidade de produção de equipamentos para águas mais profundas em sua unidade de Niterói. A companhia está investindo cerca de US$ 68 milhões nas suas fábricas no Brasil e Estados Unidos, para aumentar de 150 para 270 quilômetros sua capacidade de produção de tubos em 2009. O Brasil receberá a maior parte dos investimentos.
"Já estávamos nos expandindo antes dos campos do pré-sal, que vão pegar uma parte disso. Só precisamos saber qual o tamanho do pré-sal. Mas uma coisa é certa, o importante para nós é desenvolver a tecnologia, levá-la mais para frente. Atualmente, estamos nacionalizando fornecedores e repito aqui o que o presidente da minha companhia disse para a Petrobras: nos diga a sua demanda que eu vou atender", diz Luís Antonio Gomes Araújo, presidente da Wellstream no Brasil.
Para aumentar o leque de serviços oferecidos, a Wellstream fez uma parceria com a holandesa Sea Trucks para instalação, no mar, das linhas flexíveis fabricadas por ela. Antes, a própria Wellstream precisava contratar empresas do ramo para lançar os equipamentos. "Decidimos pegar nosso destino em nossas mãos e fizemos o consórcio para oferecer o pacote completo", explica o presidente da empresa.
A perspectiva de explorar campos gigantes de óleo leve em alto mar e em grandes profundidades na costa brasileira criou as condições para a "tempestade perfeita" nas palavras de Marcelo Bueno, da Schulz. "Estamos vivenciando uma conjunção de fatores nunca vistos antes. Estamos vendo uma tempestade perfeita na área de óleo e gás. O dinheiro está disponível, não há expectativa de baixa de preço e não vai faltar recursos para financiar os investimentos. É o novo Eldorado", resume Bueno.
Famosa em todo mundo pela tecnologia que desenvolveu para produzir petróleo em alto mar através de campos conectados a gigantescas plataformas flutuantes, que produzem e armazenam petróleo e gás - as FPSO ou plataformas flutuantes de produção e armazenamento - a Petrobras agora estuda o que seria uma reviravolta em seus meios de produção. A companhia avalia a utilização de um outro modelo de plataformas, as chamadas TLPs (Tension Leg Platform) e também as do tipo Spar, que são largamente utilizadas no Golfo do México.
Em ambas, alguns equipamentos de produção, como a chamada a "árvore de natal" (que no sistema atual é acoplada à boca do poço no fundo do mar), passam a ser acomodadas em cima de uma plataforma que também terá as sondas de perfuração. Esses sistemas são mais rígidos, têm estimativa de custo menor, mas precisam ter os poços bem abaixo da unidade, enquanto as FPSOs podem ser conectadas aos poços no leito marinho por linhas de até 30 quilômetros.
O gerente-executivo da Petrobras para o pré-sal, José Formigli, explica que a alternativa de usar plataformas de completação seca (as TLPs e SPARs) não será definida no curto prazo e que a decisão vai depender dos resultados da produção no teste de longa duração e no piloto de Tupi. "Provavelmente, numa primeira etapa de desenvolvimento do campo de Tupi, adotaremos a solução de completação molhada, migrando para completação seca mais tarde, caso se comprove atraente técnica e economicamente", diz.
Na pior das hipóteses, as descobertas só do reservatório de Tupi permitirão quase dobrar as atuais reservas do país, de aproximadamente 12 bilhões de barris de óleo equivalente (que inclui petróleo e gás). Os volumes de petróleo e gás na faixa do pré-sal ainda não são conhecidos sequer pela Petrobras, que no momento tem apenas estimativas, que ela não divulga.
O que se sabe, pelo menos oficialmente, é a projeção da estatal de que Tupi - que ainda não é um campo e sim um reservatório. Ali podem estar entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo recuperáveis. O maior volume vai depender de dois reservatórios abaixo de Tupi, que sozinho tem reservas estimadas em 5 bilhões de barris de petróleo recuperáveis.
Além de Tupi, a Petrobras já testou o reservatório de Carioca - que pode ter petróleo embaixo de quatro blocos licitados separadamente - e se prepara para iniciar os testes em Júpiter. Esse último tem reservas de gás imensas, que serão conhecidas quando a Petrobras reentrar no poço descobridor, o que deve acontecer nas próximas semanas segundo Formigli.
Tupi foi apenas um dos reservatórios encontrados abaixo de uma camada de 2 mil metros de sal que se formou no início do período Cretáceo - entre 145 milhões e 65 milhões de anos atrás - em uma faixa de 200 por 800 quilômetros, que se estende do litoral do Espírito Santo até Santa Catarina, atravessando todo o Rio de Janeiro e São Paulo.
O que se conhece até agora da área é que ela será difícil, dada a complexidade de se atravessar 2 mil metros de lâmina d'água para chegar ao leito marinho e dali perfurar mais 7 mil metros, incluindo a espessa barreira e porosa camada de sal. Some-se a isso uma enorme quantidade de gás carbônico e sulfídrico, altamente danosos para os equipamentos e o desafio está lançado. Na sexta-feira, a segunda parte desta reportagem detalha os desafios tecnológicos para explorar o pré-sal.
Fale Conosco
13