“Essa velha é pior que o vesgo.” A frase escapuliu da boca do presidente do Uruguai, José Mujica, em abril, fazendo referência à presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e ao seu falecido marido, o ex-presidente Néstor Kirchner. Talvez o dirigente tenha repetido a sentença nos últimos dias, devido à decisão da Argentina de proibir o transbordo de exportações dessa nação pelos portos uruguaios. Uma decorrência dessa ação é a perspectiva de atração de cargas por um porto vizinho, ou seja, o de Rio Grande.
Apesar de prever que, com a medida, o porto gaúcho acabará movimentando parte das cargas dessas duas nações, o superintendente do Porto do Rio Grande, Dirceu Lopes, considera que a questão implica mais ônus do que bônus, pela ruptura de acordos bilaterais que afetará a região. “Quem tem uma visão mais ampla do processo de estabilização econômica da região, vê isso com um olhar de preocupação”, aponta o dirigente. O superintendente considera uma lástima o litígio entre os dois países. “Na construção do Mercosul, isso não ajuda em nada.” Inclusive, a decisão do governo argentino envolvendo os portos seria uma retaliação à instalação de uma planta de celulose, no lado uruguaio, na fronteira entre os dois países.
Lopes afirma que preferiria trabalhar com a complementariedade, ao invés de entrar em uma competição corrosiva. O superintendente recorda que vários seminários foram realizados para debater a integração entre os portos de Rio Grande, Buenos Aires e Montevidéu, e essa situação atual atrapalha a ideia de consolidação de um polo portuário forte na região. Outra preocupação do superintendente é que um reflexo desse cenário seja o cancelamento das rotas de alguns navios para a região, podendo atingir Rio Grande também.
De acordo com Lopes, o porto de Montevidéu movimenta ao ano cerca de 100 mil TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) em exportações argentinas e mais 30 mil TEUs em importações com destino a esse país. Número expressivo, já que a movimentação total do complexo é de aproximadamente 800 mil TEUs anualmente. O superintendente alerta que também poderá acontecer retaliação por parte do Uruguai e isso pode dificultar questões de dragagem ou outras ações no rio da Prata, onde estão situados ambos os portos. Lopes espera uma solução política para a discussão, o que pode ocorrer através da mediação de um país como o Brasil.
Até lá, Lopes adianta que Rio Grande tem capacidade para absorver um eventual acréscimo de cargas. O porto pode receber até 50 milhões de toneladas e o terminal de contêineres do complexo também pode facilmente aumentar sua movimentação. Para o dirigente, entre as cargas que poderão ser atraídas para o estado estão: soja, minério e manufaturados transportados em contêineres. O diretor-presidente do Tecon Rio Grande, Paulo Bertinetti, também acrescenta nessa lista cargas como autopeças, frutas e congelados.
Porto tem qualificação necessária para concentrar a movimentação do Conesul
“O porto do Rio Grande, independente das dificuldades políticas ou comerciais entre os dois países mais próximos, sempre se manteve à frente em investimentos, na relação com os armadores e, pelas condições físicas, visa concentrar cargas do Conesul”, enfatiza o diretor-presidente do Tecon Rio Grande, Paulo Bertinetti. O executivo ressalta ainda que os navios estão ficando cada vez maiores, alcançando tamanhos que os portos do rio da Prata terão dificuldade em atender futuramente, sendo Rio Grande o candidato natural a concentrar essas cargas.
O diretor-presidente do Tecon considera uma situação extremamente difícil assistir a dois países que fazem parte do Mercosul entrarem em discussões acirradas. Bertinetti destaca que a Argentina vem tomando uma série de decisões em relação ao comércio exterior que está afetando todo o arredor. O coordenador da comissão de infraestrutura do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Rio Grande do Sul (Setcergs) e diretor-presidente da Navegação Taquara, Frank Woodhead, também acredita que algumas cargas deverão ser atraídas para Rio Grande, mas não em volumes exagerados.
Woodhead prevê que os problemas internacionais gerados na Argentina persistirão enquanto Cristina Kirchner estiver ocupando a presidência. “Depois, as coisas têm que voltar para o normal, não é possível que isso continue do jeito que está, pois prejudica a todos, toda a economia”, frisa o dirigente.