Redação TN Petróleo/Boletim SCA
O choque dos preços do petróleo encolheu o valor dos ativos das petroleiras em pelo menos US$ 70 bilhões no primeiro semestre. Levantamento do Valor mostra que ao menos dez grandes companhias reportaram baixas contábeis por perda no valor recuperável de seus ativos ("impairment", na expressão em inglês) em seus balanços, após revisarem as premissas de preços da commodity para os próximos anos. A Petrobras foi a segunda empresa de petróleo que mais registrou perdas contábeis, de US$ 13,4 bilhões, atrás apenas da Shell (US$ 22,3 bilhões).
A crise atual do setor de petróleo foi desencadeada pela combinação de dois fatores: o colapso da demanda na pandemia da covid-19 e o quadro de sobreoferta da commodity, agravado pelas dificuldades de acerto entre os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+). Diante do cenário turbulento, as empresas correram para atualizar o valor justo de seus ativos, com base em novas projeções de preços para o petróleo. Embora nem todas as petroleiras adotem as mesmas normas contábeis, é consenso que os balanços das multinacionais da indústria indicam uma deterioração das perspectivas sobre a geração de caixa no futuro.
Para o chefe de pesquisa da área de exploração e produção de petróleo da Wood Mackenzie na América Latina, Marcelo de Assis, o movimento generalizado de "impairments" na indústria petrolífera, este ano, é uma "clara sinalização" de mudança na percepção das companhias sobre os fundamentos do mercado no longo prazo.
"Isso também passa pelos compromissos de descarbonização das grandes petroleiras e como a transição energética vai reequilibrar o mercado. É uma clara sinalização de que a indústria está se transformando e as expectativas estão sendo realinhadas", comentou.
A BP, que reportou "impairment" de US$ 12,6 bilhões, destacou que a pandemia ainda deve ter impacto duradouro sobre a economia global e que pode acelerar o ritmo da transição energética. A empresa anunciou, diante disso, que vai intensificar a sua reformulação para uma economia de baixo carbono. A britânica quer reduzir em 54% a produção de óleo e gás até 2030, para 1,5 milhão de barris/dia de óleo equivalente, e multiplicar por vinte a geração de energias renováveis até lá, para 50 gigawatts (GW).
Embora os "impairments" possam ser revertidos, caso a percepção sobre o futuro melhore, esse cenário, hoje, é pouco provável. A Bain & Company acredita que a atual crise se assemelha a um choque estrutural que estabelecerá um novo patamar de preços, mais baixos, em relação ao pré-crise.
A Petrobras reduziu de US$ 65 para US$ 50 a projeção para o barril do Brent, referência global, a longo prazo. "Imaginamos que essa recuperação [do mercado] virá em doses homeopáticas; ou melhor, passo a passo", disse a diretora financeira, Andrea Marques, em maio, na ocasião do anúncio do "impairment". A expectativa da estatal é que o preço do barril fique em US$ 25 em 2020, US$ 30 em 2021 e US$ 35 em 2022.
Os números mostram que a estatal brasileira, aliás, foi bem mais conservadora que seus pares globais nas projeções. BP, Eni e Galp, por exemplo, estimam em US$ 40 o preço do Brent este ano. Para o longo prazo, BP, Shell e Galp projetam o barril a US$ 60, enquanto a Equinor vê o barril a US$ 80.
A Petrobras se antecipou ao mercado e foi a primeira grande petroleira a anunciar uma revisão profunda do valor de seus ativos. Para o coordenador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), Rodrigo Leão, isso ajuda a explicar o maior pessimismo da estatal, uma vez que a conjuntura de mercado no momento em que ela contabilizou os seu "impairment", em maio, era mais incerta. Na ocasião, embora o Brent começasse a se recuperar, o choque de demanda ainda passava por um dos seus momentos mais críticos.
Segundo Leão, a perda de valor dos ativos pode contaminar também os desinvestimentos da companhia. "A Petrobras está dizendo que ativo vai gerar menos caixa, isso dá uma sinalização sobre precificação ao mercado", argumenta.
Na lista de ativos da Petrobras que perderam valor, estão não apenas ativos de menor rentabilidade, como os campos em águas rasas, mas também concessões importantes da Bacia de Campos (Roncador, Marlim Sul e Albacora Leste) e até mesmo o pré-sal (Berbigão-Sururu). Shell e a Galp também citaram o Brasil nas suas baixas contábeis. A portuguesa contabilizou um "impairment" de 92 milhões de euros, refletindo sobretudo o menor potencial de descobertas na Bacia Potiguar.
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