Redação/Assessoria Unica
O Brasil é campeão em bioenergia. No ano passado o etanol substituiu 46% da gasolina e o biodiesel 12% do diesel, com benefícios sociais e ambientais expressivos, e competindo com o petróleo a cerca de 50 dólares o barril. Biomassas como bagaço de cana geraram 10% da eletricidade. A bioeconomia é a próxima onda tecnológica, com a biomassa deslocando o petróleo em uma ampla gama de produtos.
Em ambos mercados – bioenergia e biomateriais – o Brasil tem condições de estar na liderança mundial, pela abundância de recursos e por sua capacidade tecnológica, que ainda pode evoluir muito. Diversos países estão nessa disputa, mas o Brasil já conta com um parque agroindustrial de peso. Porém, problemas circunstanciais, como a queda na demanda pela atual pandemia e a instabilidade do mercado internacional do petróleo, podem prejudicar sensivelmente a indústria de bioenergia, que ainda se recupera dos danos causados por decisões governamentais do passado.
No começo de março, com a guerra de preços entre russos e sauditas e a queda na demanda, o preço do petróleo reduziu-se para um terço do valor nos últimos anos. O recente acordo pode promover uma recuperação, mas é provável que a menor demanda mantenha os preços baixos por algum tempo. Com os preços pouco motivadores, consumo em queda e dúvidas sobre a validade de contratos, o setor de biocombustíveis vive momentos difíceis, justo quando a região Centro-Sul inicia a safra e é essencial um mínimo de previsibilidade, a cana madura precisa ser colhida.
O governo está atento e o MME informa que avalia as medidas a tomar. O ajuste da CIDE seria uma das mais adequadas, sendo a atual configuração de preços uma excelente oportunidade para seu emprego. A implementação do Programa Renovabio, bem conduzida pelo MME e ANP, também é importante, valorizando as externalidades dos biocombustíveis, mas seus efeitos não são imediatos. Reforçar a estabilidade dos contratos, com ajustes, mas sem rupturas no mercado, também contribui para enfrentar as atuais volatilidades. Enfim, existem saídas para enfrentar as distorções no mercado de combustíveis, retomar a demanda e recuperar a economia. A bioenergia é uma das melhores alternativas para recuperar a dinâmica econômica após os dias da pandemia.
A participação da bioenergia na matriz energética brasileira se apoia em sólida base de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Ao longo de décadas, o Brasil obteve ganhos de produtividade em toda a cadeia produtiva, nas áreas da agronomia, biotecnologia, engenharias e gestão, justificando investimentos importantes em inovação e formação de recursos humanos. Um exemplo é o BIOEN, o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia, que nos últimos dez anos investiu cerca de R$ 600 milhões em mais de trezentos projetos, envolvendo centenas de cientistas, universidades, empresas e centros de pesquisa. Do mesmo modo, produtores e a ampla cadeia de fornecedores também têm investindo em modernização e eficiência. A bioenergia é um dos poucos campos do conhecimento onde o Brasil se coloca entre os países mais desenvolvidos, pelo volume e qualidade de sua produção científica.
A atual transição energética global levou o Brasil a uma posição de destaque, com a bioenergia sustentável implementada em escala comercial. Nosso país oferece um exemplo positivo, como vem sendo replicado especialmente em países emergentes, promovendo o desenvolvimento rural e estimulando a produção de bioenergia e alimentos. Nesse aspecto, o que muitos países buscam já é uma realidade no Brasil, onde toda a frota usa biocombustíveis, puros ou em mescla com combustíveis fósseis.
É fundamental que nossas autoridades não permitam que os preços de curto prazo do petróleo sejam o fator determinante para o estabelecimento do equilíbrio de curto prazo entre as opções de oferta na matriz energética brasileira. É preciso preservar a racionalidade energética e a sustentabilidade ambiental, nossas efetivas conquistas e trunfos importantes para o futuro, em escala global. O Brasil não pode se dar ao luxo de perder essa oportunidade.
(*) Autores: L Horta Nogueira (Unicamp), H Cantarella (IAC), Glaucia M Souza (USP), R Maciel Filho (USP) e Luis F D Cassinelli (IMT), coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia
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