Há cinco anos a Baska, uma trading brasileira, inaugurou em Hong Kong uma nova unidade. A ideia era aproveitar a infraestrutura local, voltada para comércio exterior, e centralizar no distrito de Kowloon o fechamento de contratos, não só para venda de produtos asiá
Valor EconômicoHá cinco anos a Baska, uma trading brasileira, inaugurou em Hong Kong uma nova unidade. A ideia era aproveitar a infraestrutura local, voltada para comércio exterior, e centralizar no distrito de Kowloon o fechamento de contratos, não só para venda de produtos asiáticos, mas também de outras origens. A centralização permitiu melhor organização na movimentação de cargas e ganho de escala, o que deu à trading maior poder para negociar seguros e fretes dos embarques. Hong Kong não só fecha os contratos, como também recebe o faturamento, aproveitando um local com facilidade para movimentação de recursos financeiros.
Segundo Luiz Ramos, diretor da trading, a estratégia resultou numa redução que varia de 30% a 40% nos custos logísticos da "viagem" da mercadoria da Ásia para a América do Sul. Atualmente, o Brasil é o destino de 70% das exportações fechadas pela trading em Hong Kong. Em torno de 55% das mercadorias embarcadas para o Brasil vêm da Ásia e 40% são fabricadas na China.
A estratégia da Baska não é isolada. Boa parte das mercadorias chinesas vendidas ao Brasil têm seus contratos fechados em terceiros países e são faturados lá, mesmo que elas não transitem fisicamente por esses locais. São nesses terceiros países que estão tradings ou os centros de decisão das fábricas instaladas na China, aproveitando para centralizar as vendas de exportação em locais que permitem uma melhor movimentação de recursos financeiros e também um ganho de escala que torna mais barato o envio de produtos ao outro lado do mundo.
Segundo levantamento da Receita Federal, dos US$ 15,9 bilhões que o país comprou em produtos "made in China" no ano passado, menos da metade - US$ 6,36 bilhões - teve contratos fechados na China. Um total de US$ 2,8 bilhões foram negociados e faturados nos Estados Unidos. Em Hong Kong foram contratados US$ 1,95 bilhão e em Taiwan, US$ 1,5 bilhão. O restante foi distribuído por outros 94 países.
O fechamento de negócios em terceiros países, explica José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), é uma estratégia que dá vantagens adicionais à produção chinesa em larga escala. Em Hong Kong, por exemplo, as tradings internacionais e os fabricantes chineses aproveitam a infraestrutura logística de um país que atua como entreposto comercial da região. Os contratos são fechados ali para abastecer o mundo. "Um mesmo embarque reúne produtos comuns a vários clientes em diferentes destinos. O ganho de escala barateia custos como seguro e frete, tornando o produto chinês mais competitivo ainda."
"A América do Sul não tem um grande entreposto comercial voltado ao mercado internacional para viabilizar esse ganho de escala nos embarques de produtos brasileiros", diz Castro. Por isso, quem costuma negociar os preços de seguro e frete nas exportações brasileiras é o comprador que, em razão do volume total adquirido de vários fornecedores, costuma ter mais poder de negociação.
Os exportadores de produtos chineses, ao contrário, têm condições de discutir o preço para o transporte das mercadorias que vendem ao resto do mundo. "A situação é diferente da do Brasil. Nós exportamos produtos FOB e importamos CIF", diz Castro, referindo a valores de troca que agregam custos como frete e seguro (CIF) ou não (FOB) "Isso faz com que, mesmo com a distância, os produtos chineses sejam competitivos em relação aos fabricados em países com maior proximidade geográfica."
Ramos, da trading Baska, conta que a unidade em Hong Kong funciona como gerenciadora e coordenadora. Mas muitas vezes os produtos chineses são transportados para Hong Kong e, em seguida, embarcados pelo porto de lá. "O porto de Hong Kong é muito grande e eficiente e o embarque e desembarque por lá evitam o transbordo, movimento que, além de maior risco aumenta o custo da operação", conta. "O porto de desembarque, porém, depende muito da localização da mercadoria. Em alguns casos, os produtos são concentrados para embarque em Cingapura ou Xangai."
As exportações de produtos chineses via Taiwan têm uma explicação parecida, diz Castro. A diferença é que o perfil de Taiwan é de produção e não tão forte como de entreposto comercial. A proximidade com a China, diz, e a possibilidade de ter embarques comuns para produtos dos dois países, porém, gera vantagens também para Taiwan, com poder de fogo suficiente para conseguir bons preços nos custos logísticos.
A estratégia de usar um terceiro país não se restringe à Ásia. "Entre nossos clientes há uma empresa alemã com fábrica na China. As exportações de mercadorias produzidas na unidade chinesa são fechada pela matriz, que também recebe o faturamento das vendas", explica Fernando Berzoini Smith, diretor da trading Savixx. O faturamento e os lucros da operação, explica, ficam na Alemanha. De acordo com levantamento da Receita, no ano passado US$ 312,4 milhões de produtos chineses foram vendidos pela Alemanha e faturados lá. O total de valores negociados e faturados em países da União Europeia foi de US$ 1,1 bilhão.
A mesma lógica explica os US$ 2,8 bilhões em exportação de produtos chineses negociados e faturados nos Estados Unidos. Há muitas fábricas na China que são de empresas americanas. Nesse caso, as estratégias não só de produção como de venda são definidas pelo centro de decisão nos Estados Unidos. O pagamento dos produtos fabricados na China é remetido aos Estados Unidos, onde também ficam os lucros das operações.
Outra explicação, diz Castro, está relacionada ao uso da cidade de Miami como centro de distribuição para os países da América. "Como os volumes importados pelos Estados Unidos são muitas vezes maiores em função do tamanho do seu mercado consumidor, usa-se o mesmo embarque com produtos ou fornecedores comuns ao mercado americano e ao brasileiro, por exemplo." Após os desembarques nos Estados Unidos, as mercadorias são enviadas aos demais países da América, numa operação que ajuda a baratear o transporte de produtos chineses.
O advogado Rabih Nasser, professor da Direito GV, explica que as operações em que mercadorias fabricadas em um determinado local têm seus contratos de exportação fechados em terceiros países são cada vez mais comuns como forma de ganhar competitividade e, por si só, não são ilegais. As empresas brasileiras que compram do exterior informam à Receita o país de origem da mercadoria e também o país onde está localizado o vendedor do produto. "O país de origem é o que se leva em consideração para se calcular o imposto de importação, mas o país em que o contrato é fechado pode garantir menor tributação de Imposto de Renda, por exemplo", explica.
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