O Grau de Risco de Integridade (GRI) é a ferramenta utilizada pela Petrobras para medir, previamente aos processos licitatórios, o risco de contratação de certa empresa relacionada à sua adequação às leis vigentes, notadamente aquelas preconizadas pelo Programa Petrobras de Prevenção à Corrupção.
Trata-se de procedimento realizado por meio de preenchimento de questionário de due diligence (auditoria) de integridade e não conflita com os princípios gerais das licitações públicas previstos no art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, tampouco com as normas gerais na Lei nº 13.303/2016. Ao contrário, atende aos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade, visando a integridade contratual, mitigação de riscos e obtenção de melhores resultados por parte das empresas estatais e públicas.
No entanto, embora os critérios gerais para classificação das empresas como possuidoras de risco baixo, médio ou alto estejam disponíveis no portal da estatal, não há transparência na atribuição da nota. Assim, fornecedores tem suas notas rebaixadas e sua participação em licitações vedada de forma sumária, sem nenhuma possibilidade de contraditório e ampla defesa, em violação frontal ao art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, que assegura a igualdade de concorrência entre todos os participantes.
O Regulamento de Compras e Contratações da Petrobras, em seu Art. 4, §3º, restringe a contratação de empresas com restrição relacionada à integridade, e não a sua participação nos procedimentos licitatórios, em conformidade com a Lei 13.303/16 - que não autoriza a restrição de competitividade, que seria inconstitucional. O fornecedor deveria assim ter a oportunidade de participar da licitação e comprovar o atendimento ao critério Integridade na fase da Habilitação, o que seria aceitável. No entanto, da forma como o sistema Petronect funciona hoje, o fornecedor com nota Integridade alta nem sequer pode acessar a oportunidade.
Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União destacou a necessidade de que a Petrobras esclarecesse os fundamentos para a classificação do risco de integridade, indicando, de forma pormenorizada, os fatores que teria fundamentado as notas atribuídas a cada um dos doze critérios utilizados na análise empreendida no Relatório Complementar DDI, e alertando para a necessidade de analisar e se manifestar sobre a adoção do “Grau de Risco de Integridade – GRI” como requisito para a habilitação nas licitações, por não estar prevista na Lei nº 13.303, de 2016 (Acórdão nº 12693/2019, GRUPO I – CLASSE VI – Segunda Câmara). No Acórdão nº 1845/2019, o tribunal determinou que os procedimentos para aferimento do GRI fossem analisados de forma apartada, sob pena de macular os procedimentos licitatórios por ausência de legitimidade e legalidade por parte da Petrobras.
Observa-se que a restrição à participação dos fornecedores com risco alto atribuído pela Petrobras unilateralmente e de forma não transparente, prejudica a própria estatal, já que ao restringir a competitividade nos certames, provoca natural elevação dos preços propostos.
Convém também destacar julgado do TJ-RJ, que dispõe sobre a necessidade de acesso à necessária defesa e possível revisão da classificação da nota de GRI, uma vez que os critérios de classificação sejam esclarecidos e pormenorizados. O autor arguiu a ilegalidade da atribuição de GRI alto pela Petrobras, de forma a impedi-la de participar de seus processos licitatórios. Destacamos os seguintes trechos da decisão: “o procedimento administrativo deflagrado (e que culminou na atribuição de Grau de Risco Alto - bandeira vermelha ao ora agravado) possui caráter sigiloso, em razão do que não haveria que se falar em ampla defesa e em contraditório para seus fornecedores. Admite que “é patente o prejuízo sofrido pela empresa que se vê impedida de participar de licitações promovidas pela Companhia, dano este que advém de um procedimento, agora, confessadamente unilateral - inquisitivo. (...) Ainda que assim não fosse, o fato de o procedimento administrativo deflagrado possuir caráter sigiloso não inviabiliza, de nenhum modo, a estrita e necessária observância dos princípios que gravitam em torno do devido processo legal, em especial, a ampla defesa do acusado e o pleno exercício do contraditório (TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 00537903020198190000 - 10/06/2020).
Portanto, à luz da jurisprudência recente, e conforme previsto na Constituição Federal em seus artigos 5º e 37º, para que uma sanção administrativa ou judicial seja aplicada, é necessário que haja um procedimento justo que permita a defesa do prejudicado, de forma pública e transparente.
Nesse sentido, considerando o acima exposto, entende-se que a forma de avaliação de risco de integridade deve ser revista pela Petrobras, já que viola claramente os princípios de igualdade e competividade dos procedimentos de contratação pública e impede a participação de empresas em licitações sem que haja o esclarecimento dos fundamentos da vedação à participação e a possibilidade de ampla defesa e contraditório.
As boas práticas de governança corporativa e compliance constituem hoje um pilar de sustentação para os negócios da estatal. Mas os fins não justificam os meios: a garantia de que os fornecedores estejam aptos conforme os requisitos de integridade previstos deve ser obtida de forma legal: com transparência e respeito aos princípios basilares das licitações públicas, sob pena de excessiva judicialização.
Sobre as autoras:
Julia Mota, sócia fundadora do Mota Advogados
Ana Clara Chicrala, associada Mota Advogados
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