A vacinação avança, ainda que devagar. Mal ou bem, até quem mais respeitou a quarentena em casa, começa a voltar a dar seus primeiros passinhos novamente. Os encontros começam a acontecer, tímidos para uns, ousados, às escuras e na calada da noite para outros. As reuniões de família retornam às agendas semanais aos poucos. Os melhores amigos começam a retomar as visitas e o trabalho semipresencial ganha corpo. Mas o que aconteceu com todas essas pessoas nesse quase um ano e meio longe umas das outras?
Passei por muitas coisas nesse período, uma delas foi o próprio avançar do processo de envelhecimento: minhas madeixas naturais cor de mate na paleta de cores da Koleston, agora ganharam alguns fios acinzentados, bastante aparentes, diga-se de passagem. Pelo Microsoft Teams, os mais observadores que já me questionavam se eu tinha feito luzes, presencialmente começaram a entender mais claramente que o André começou a ficar grisalho vias de fato. Poucos já me viram assim e este texto, para todo o resto dos meus conhecidos, será uma espécie de teaser, mas a verdade é que o tempo que supostamente havia parado, não parou. E é aí que mora o perigo. Não o perigo de termos nos submetido ao próprio passar do tempo, o que já seria inevitável, mas a ameaça eminente de que a falta de gentileza supere a surpresa do que essa mudança gerou no outro, e isso poderá ser um risco grave a nossa saúde mental.
Muita gente engordou na pandemia, perdeu os gominhos do abdômen. Outras ganharam rugas ou emagreceram expressivamente. Algumas adoeceram e não se recuperaram física e mentalmente por completo. Eu mesmo, depois da Covid, senti uma espécie de perda de memória recente – não fui a fundo, então pode ser mera percepção e achismo, ou não. Muita coisa poderá ser acessada visualmente de forma aparente e então, aquele baque será instantâneo e cara a cara, outras, por sua vez, não.
O risonho João de antes tornou-se depressivo porque ainda não conseguiu lidar bem com a morte repentina do pai; a Maria, super popular entre os amigos, agora tem medo de sair de casa e expor seus filhos ao toque de qualquer superfície, mesmo com álcool em gel; o Edu foi contratado há um ano e nunca viu seu líder presencialmente; a Carla simplesmente saiu da capital e não quer mais voltar. O Rodrigo se separou e a irmã dele, solteira convicta, decidiu seguir o caminho oposto e casar-se aos 40.
Se para uns este período foi de baixa, talvez outros tenham tirado algum proveito, mas ainda assim, também não são mais os mesmos. O seu vizinho de baia no trabalho agora consegue aproveitar melhor a piscina da sua casa e migrou daquela cor branco-escritório para um bronze-Arpoador permanente; sua prima engravidou; seu filho assumiu-se homossexual ou até você mesmo. As pessoas não são as mais as mesmas, e não são mais porque já não seriam com o passar desse tempo mesmo sem Covid. O problema é que se não houvesse esse tal de novo Coronavírus, não teríamos que lidar com este lapso temporal de 18 meses de distância e tudo seria mais fácil. A vida é uma ode à impermanência, mas estamos habituados a acompanhar uns a vida dos outros, ainda mais com as redes sociais, no dia a dia, especialmente com aqueles que nos relacionamos com frequência, em casa ou no trabalho.
Esse retorno poderá ser um choque para muitos e para que consigamos sobreviver e ultrapassá-lo, não existe outra vacina que não a Gentilezavac. É com ela que saudaremos o retorno ao sabe-se lá que normal será. Precisaremos ser mandatoriamente gentis. Acolher, no primeiro momento, ainda sem tanto contato físico. Sorrir, mesmo quando a piada for mediana. Ouvir, ainda que a história seja chata.
Esta volta exigirá de nós algo que, sinceramente, nossa impaciência nos fez abandonar, em especial de janeiro de 2021 para cá, pelo menos na minha opinião: parte da nossa cordialidade, ponderação e sossego. Que tanto de e-mails agressivos é este que temos recebido ultimamente? Onde foi parar nossa lucidez? E não necessariamente temos que nos cobrar, mas a partir de agora, e isso é uma escolha individual, a gentileza deverá ser um imperativo, ainda que seja uma escolha. A profecia do profeta se cumpriu – somente a gentileza gerará gentileza. E como dizia um de seus versos nos pilares do viaduto do Gasômetro no Centro do Rio de Janeiro, “a gentileza nos dá tudo de graça”.
O João que mencionei lá em cima, não quis perder o pai, a Maria só quer proteger seus filhos, o Edu poderá ficar inseguro em defrontar-se com seu chefe, a Carla se permitiu ir para o interior, o Rodrigo deixou de amar sua ex-esposa e sua irmã, por sua vez, apaixonou-se. Algumas pessoas do seu convívio diário vão ter engordado ou emagrecido, envelhecido ou feito uma plástica, vão estar menos bonitos ou quem sabe até bem mais sexy porque entraram para o crossfit ou hidroginástica, aproveitando o trabalho híbrido. Estarão mais legais ou mais chatos. E tudo bem. É sobre isso. Foi dessa forma que conseguiram passar por tudo e chegar até aqui.
Nas empresas, o líder ganhará ainda mais essa responsabilidade: acolher sua equipe e protegê-la da falta de gentileza que poderá lhes gerar qualquer desconforto. Será preciso estar atento, mas ao mesmo tempo, aberto. O que foram esses 18 meses, não? Que hiato grande para essa série de todo dia chamada vida. Se a palavra de ordem durante a pandemia foi empatia, neste pós-quarentena forçada, será gentileza e uma gentileza evoluída, com ascendente em empatia. Nossa comunicação precisará ser outra.
Os textos publicados abordam temas gerais da comunicação organizacional interna e externa; relacionamento com imprensa; redes sociais e marketing digital; reputação e imagem e assuntos de discussão mais recente como cultura e marca; propósito e employer branding.
O novo espaço é editado por Lia Medeiros (foto), diretora de Comunicação, Sustentabilidade e Pessoas da TN Petróleo, e assinado pelo jornalista André Luiz Barros, que há 12 anos trabalha com comunicação corporativa e atualmente acumula o cargo de gerente de comunicação em uma empresa do setor de óleo e gás.
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