A dicotomia no descomissionamento: desmantelar ou deixar in situ, por Mauro Destri
Conectividade de comunidades marinhas sedentárias com estruturas offshore no Mar do Norte e o cenário brasileiro
Em artigo publicado pela Nature: International Journal of Science, Scientific Reports, escrito por Johan van der Molen, Luz María García-García, Paul Whomersley, Alexander Callaway, Paulette E. Posen & Kieran Hyder (“Scientific Reports volume 8, Article number: 14772 de 03/10/2018), os autores apresentam um extenso estudo acerca da colonização por organismos sedentários, vida marinha, em estruturas feitas pelo homem, incluindo plataformas, oleodutos, cabos, dispositivos de energia renovável e naufrágios, por oferecerem um substrato duro no ambiente predominantemente sedoso do Mar do Norte.
Tais estruturas tornam-se colonizadas por organismos sedentários e peixes não-migratórios e formam ecossistemas locais que atraem predadores maiores, incluindo focas, pássaros e peixes. É possível que essas estruturas formem um sistema de ambientes recifais, interconectados pelas correntes oceânicas.
Os estudos mostraram que mudanças no arranjo geral de áreas de substrato duro por meio da remoção (descomissionamento, por exemplo) ou adição de estruturas individuais causadas pelo homem afetarão a interconectividade e poderão impactar, por consequência, o ecossistema.
Foi avaliada a conectividade de setores com estruturas de petróleo e gás, parques eólicos, naufrágios e substrato natural duro, utilizando um modelo criado pelos autores, cujos resultados mostraram uma distribuição espacial global relativamente estável da função do setor, mas com variações distintas entre espécies e anos.
Embora os autores se refiram ao contexto do Mar do Norte, neste artigo busquei uma relação com a realidade do descomissionamento de plataformas, linhas e equipamentos submarinos no Brasil, obviamente sem estudos técnicos, somente interpolando resultados.
CORAL SOL
Segundo o estudo, existem muitas influências potenciais das estruturas feitas pelo homem nos ecossistemas marinhos, e incluem impacto na conectividade do habitat e movimento de espécies marinhas móveis (por exemplo, caranguejos, peixes, aves, etc). Estruturas feitas pelo homem também podem apoiar comunidades diferentes daquelas encontradas no substrato natural, afetando assim a função do ecossistema.
De fato, o acréscimo ao ambiente marinho de estruturas feitas pelo homem, trazidas para a realidade brasileira, como plataformas de petróleo, produção e perfuração, linhas, umbilicais, duros e uma enorme gama de equipamentos submarinos, além de naufrágios, pode ser positivo, fortalecendo conexões naturais entre habitats e espécies “passantes”, ou prejudicial pela introdução de condutos para espécies não-nativas, exóticas e invasoras.
Aqui chamo atenção especial para um grande problema doméstico (Brasil) encontrados pelas operadoras e pelos órgãos ambientais, em processos de descomissionamento, chamado “CORAL SOL”.
O estudo tem imensa importância, pois mostra a conectividade de muitos sistemas marinhos, no mar do norte, incluindo os recifes de coral, costões rochosos entre-marés, e peixes. Eles foram descritos como "abertos" e demonstraram ter potencial para dispersão em grandes áreas e períodos de tempo prolongados durante as fases pelágicas de muitos dos organismos marinhos.
Mais recentemente, o impacto da dispersão pelágica na conectividade foi estudado usando abordagens de rastreamento de partículas que modelam a hidrodinâmica e o comportamento das larvas. Esses modelos têm sido utilizados para avaliar o recrutamento de espécies comerciais de peixes,e águas-vivas. Corredores entre estruturas como dutos fornecem um mecanismo para a colonização de espécies de recifes que não possuem dispersão pelágica. O comportamento de organismos móveis também é importante e tem sido extensivamente estudado.
CENÁRIO BRASILEIRO
O descomissionamento de estruturas feitas pelo homem no final do seu uso é geralmente uma condição da licença para operar, tanto no Brasil quanto no Mar do Norte. Lá, muitas plataformas offshore estão chegando ao fim de suas vidas e o custo estimado do descomissionamento de infraestrutura entre 2016 e 2025 é de £ 17,6 bilhões, com a melhor estimativa de custo para a plataforma continental do Reino Unido até 2050 chegando a £ 47 bilhões, segundo os autores. No Brasil estão previstos ABEX (custos de abandono) na ordem de R$28,23 bilhões entre 2021 à 2025, o que nos coloca em terceiro lugar no mundo em termos de gastos.
A Resolução nº 817/2020 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), publicada em 27 de abril do ano passado, traz como base de um descomissionamento a retirada total de plataformas e equipamentos submarinos. Entretanto, podem ser concedidas derrogações se for considerado que existem benefícios para o ambiente marinho (por exemplo, Rigs-to-Reefs ou recifes artificiais), mas há questionamentos se o efeito é benéfico para o ambiente marinho.
Ainda precisamos avançar muito neste quesito. Todavia, a própria resolução 817/2020, em seu artigo 3.2, traz a possibilidade de se realizarem análises multicritérios, que poderão indicar a possibilidade / necessidade de que as linhas / dutos / equipamentos submarinas possam permanecer in situ e até mesmo as plataformas possam ser tombadas, ou no local ou levadas para outro local, para se tornarem recifes artificiais, desde que estudos técnicos indiquem a possibilidade de uma conectividade
NECESSIDADE DE ESTUDOS
No Mar do Norte, a maior parte do fundo do mar é composto de lama e areia, com costões rochosos em muitos lugares e alguns recifes. Instalações offshore e outras estruturas feitas pelo homem (por exemplo, naufrágios) podem fornecer substrato duro que impacta no ecossistema em termos de produtividade do sistema e interconectividade da rede de substratos duros.
Portanto, é importante entender os efeitos potenciais das estruturas feitas pelo homem no ecossistema e levá-los em consideração ao decidir sobre as estratégias adequadas de descomissionamento.
No Mar do Norte, isso envolve conectividade (dispersão pelágica, ligação por oleodutos) e o movimento de predadores móveis. No entanto, faltam estudos sobre a contribuição da infraestrutura de petróleo e gás para a rede de substrato natural duro.
No Brasil, precisamos avançar nesse sentido, para mapear como a conectividade ocorre e entender se os estudos já existentes podem ser extrapolados para a realidade brasileira. Ou se ao menos servem de um ponto de partida para que órgãos ambientais, operadoras, universidades, Marinha, ANP,consultorias ambientais e a sociedade civil organizada possam realizar um levantamento “Tupiniquim” para trazer luz, ou ao menos mediar, autorizações solicitadas para descomissionamento por operadoras, à letra fria das legislações, da Resolução ANP 817/2020 em vigor no país e das decisõpes dos órgãos ambientais.
Estes estudos, se forem de interesse de uma comunidade, se realizados serão altamente tempestivos em função do grande número de plataformas e todos os sistemas submarinos que fazem parte de nosso processo produtivo de petróleo.
Há distintas opiniões tendendo para os dois lados: descomissionar e desmantelar, gerando empregos e renda no curto prazo, ou abandonar in situ, possibilitando geração de conecitividade, pesca comercial e turística. Os dois lados tem razão. Que venham os estudos para indicar se existe um caminho do meio.
Fonte: https://www.nature.com/articles/s41598-018-32912-2
Sobre o autor: Mauro Destri, I&CP Oil and Gas Director na Alvarez & Marsal
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