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Walter Link – vilão ou profeta? por Cleveland Jones

Cleveland Jones
07/10/2019 08:05
Walter Link – vilão ou profeta? por Cleveland Jones Visualizações: 2144

O famoso geólogo Walter Link foi muito criticado, na década de 1950, por dizer que o Brasil não tinha grande potencial petrolífero nas bacias sedimentares então conhecidas, basicamente terrestres. Foi contratado na esperança que dissesse o contrário, mas suas investigações o levaram a concluir que o país não tinha muito petróleo nas regiões que podiam ser exploradas, incluindo na Amazônia.

Institucional

A verdade dói. O sentimento popular de orgulho ferido o transformou em vilão, inimigo do Brasil etc. O que disse praticamente segue sendo verdade, pois o Brasil somente conseguiu dar um salto nos resultados quando passou a explorar a plataforma continental, exatamente como Clark sugeriu. Claro, à época, a exploração . Por isso sua avaliação foi desanimadora.

Entretanto, depois de décadas de evolução tecnológica na indústria de óleo e gás (O&G) e da enorme transformação que transformou o Brasil na potência petrolífera que é hoje, o país vive a mesma situação que ele previu com relação à ocorrência de grandes acumulações petrolíferas em nosso território: nossas bacias terrestres contribuem com parcela muito pequena das reservas e da produção de O&G

Foram as descobertas nas áreas offshore, em águas rasas, profundas e ultraprofundas, que realmente colocaram o Brasil no mapa dos países com os maiores volumes de recursos recuperáveis conhecidos em todo o mundo, no qual se destaca a contribuição do pré-sal, alcançando entre 176 e 273 bilhões de barris de óleo equivalente recuperáveis[1].

Se Walter Link foi o vilão que prognosticou corretamente que o potencial petrolífero brasileiro onshore era muito limitado, ferindo expectativas nacionais, ou se foi o visionário que na década de 1950 sugeriu que o Brasil buscasse recursos petrolíferos na margem continental, onde de fato se encontra essa nossa enorme riqueza petrolífera conhecida hoje, depende do ponto de vista.

Mas em um aspecto ele acertou de forma incontroversa, ao comentar as críticas da avaliação pública em relação ao seu trabalho. Link ponderou, já após o fim de seu trabalho e a divulgação de suas conclusões (e em vista de como seu relatório técnico foi tratado) que o petróleo (ou sua falta) não era o maior problema do país, mas sim a política no Brasil[2].

Com toda nossa riqueza petrolífera atual, conhecida desde a descoberta do pré-sal, o Brasil precisaria produzir aproximadamente 10 milhões bopd pelos próximos 60 anos, apenas para produzir o óleo conhecido do pré-sal. Mas o país teima em impedir seu possível desenvolvimento, com polêmicas discussões sobre mudanças do marco regulatório, enquanto não busca uma clara política energética ou petrolífera que aponte um caminho para monetizar essa riqueza do subsolo, antes que esses recursos petrolíferos se desvalorizem com o fim da era do petróleo, que pode chegar bem antes de 60 anos.

Em 2006, o Brasil sofreu um forte choque com a interferência política no potencial de desenvolvimento da indústria de O&G, que apresentava comprovada e elevada capacidade de conteúdo local e estava pronta para crescer vertiginosamente, dadas as perspectivas de novas rodadas da ANP que atrairiam grandes investimentos e garantiriam a continuidade do crescimento do setor e do conteúdo nacional que o servia.

A indústria de O&G no Brasil perdeu quase uma década de desenvolvimento, e grande parte da indústria de equipamentos e serviços voltados para atender o setor sofreu um retrocesso brutal. A emergente indústria naval se segurou nos projetos em curso, de longo prazo, mas tampouco resistiu à queda no ritmo das rodadas e dos negócios. De mais de oitenta mil funcionários, em 2014, a indústria naval brasileira afundou, empregando menos de trinta mil em 2018, e ainda luta para se reerguer[3].

Hoje, embalados pelas animadoras perspectivas do setor, que incluem um megaleilão inédito no mundo, que pode render mais de R$100 bilhões à união e governos locais[4], novamente vemos discussões desnecessárias sobre mudanças no marco regulatório, quando o setor já se adaptou ao funcionamento atual.

As perspectivas geológicas são incomparáveis no mundo[5], entretanto, nossos mandatários de hoje, como os da década de 2000, não parecem entender que a estabilidade, mesmo sem um modelo ideal, é preferível à incerteza e aos riscos associados às mudanças imprevisíveis que podem surgir dessas discussões politicamente polarizadas.

Walter Link foi profético ao sugerir que a exploração de O&G no Brasil se volte para o offshore. Hoje, finalmente, sabemos o quanto fomos favorecidos com enormes riquezas petrolíferas. Mas enquanto o Brasil não assumir a determinação de produzir seus recursos petrolíferos, ao invés de se perder em discussões políticas, não poderá transformar essas riquezas em benefícios para o povo brasileiro.

Sobre o autor: Cleveland M. Jones é professor e Geosciency Advisory da NXT Energy Solutions e pesquisador do INOG – Instituto Nacional de Óleo e Gás/CNPq

 

 

 

 

 

 

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[1] Jones, C.M.; Chaves, H.A.F. 2015. Assessment of yet-to-find oil in the Pre-Salt area of Brazil. In: 14th International Congress of the Brazilian Geophysical Society, Rio de Janeiro. SBGf Conference Papers, Rio de Janeiro, Brazil: SBGf, 2015. Disponível em https://library.seg.org/doi/abs/10.1190/sbgf2015-002.

[2] Tradução livre da citação no artigo de Drielly Peyerl: “Oil is not Brazil’s biggest problem, it is politics.” Peyerl, Drielli. 2019. Petrobras and ‘The Most Famous Geologist in the World’. AAPG Explorer, Online ago 2019. Disponível em https://explorer.aapg.org/story/articleid/53759/petrobras-and-the-most-famous-geologist-in-the-world.

[3] Portos & Navios. 2018. Empregos em estaleiros caíram 64% desde 2014, aponta Sinaval. Online 28 jun 2018. Disponível em https://www.portosenavios.com.br/noticias/ind-naval-e-offshore/empregos-em-estaleiros-cairam-64-desde-2014-aponta-sinaval.

[4] T&N Petróleo. 2019. Choque de energia barata vai possibilitar a reindustrialização do país, diz Paulo Guedes. Online 9 ago 2019. Disponível em https://tnpetroleo.com.br/noticia/choque-de-energia-barata-vai-possibilitar-a-reindustrializacao-do-pais-diz-paulo-guedes/.

[5] “Geological favorability and prospectivity, which I am convinced are unsurpassed in the world, are maybe even too good to be grasped or believed,” said Cleveland M. Jones, researcher at INOG, the Brazilian acronym for the National Oil and Gas Institute. JPT. 2019. Brazil Focuses on Cost Control in Deep Water. Online 21 mai 2019. Disponível em https://www.spe.org/en/jpt/jpt-article-detail/?art=5518.

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