Vera Murányi Kiss
Embora o diagnóstico seja antigo e o problema recorrente, o Brasil continua investindo pouco em pesquisa. Relatório do final de 2016 da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado mostra que destinamos à atividade pouco mais de 1% do PIB, abaixo das nações desenvolvidas e até mesmo de algumas emergentes.
Reverter esse quadro torna-se ainda mais premente, considerando que, em decorrência da grave crise econômica, em especial o rombo fiscal da União, os investimentos em ciência e tecnologia vêm despencando desde 2014. Em 2013, o valor ficou em torno de R$ 7 bilhões. Em 2016, foram R$ 4 bilhões. Em 2017, R$ 2,8 bilhões, com um fator agravante: a partir deste ano, devido à fusão das pastas promovida pelo Governo Federal, o ministério divide a verba entre Ciência e Tecnologia e Comunicações. Com isso, o montante destinado pelo Estado à ciência é hoje menos de 40% em relação a 2013. Isto, sem falar das grandes diferenças entre os valores reservados e os efetivamente disponibilizados para pesquisa no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Não deveríamos ficar sujeitos às oscilações da política fiscal do governo num segmento tão decisivo e estratégico para o destino de nosso país.
As consequências já são visíveis: aproximadamente 20% das bolsas de iniciação científica na graduação foram cortadas pelo governo no último ano; os programas Ciências sem Fronteiras e Obmep na Escola (iniciativa que seleciona alunos para a Olimpíada de Matemática) tiveram suas verbas drasticamente reduzidas. Corremos o risco de um retrocesso no avanço verificado nos últimos anos, o qual havia levado o Brasil a subir duas posições no ranking mundial de produções científicas.
Nossa evolução foi suportada por um orçamento crescente, que agora desabou. As consequências podem ser desastrosas, pois a interrupção de certas linhas de pesquisas por falta de financiamento pode levar a perdas de difícil recuperação. Além disso, corremos o risco de entrar num círculo vicioso, pois sem Pesquisa & Inovação não há desenvolvimento e sem prosperidade econômica reduzem-se os investimentos em ciência. Não podemos nos conformar com o que indicou o mais recente relatório anual da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO), vinculada à ONU: o Brasil ocupa a penúltima posição em levantamento feito nos 20 maiores escritórios de concessão de patentes do mundo. Tal classificação é incompatível com as metas de desenvolvimento, competitividade no mercado global e transformação social de nosso país.
Olhando o panorama internacional, vemos alguns aspectos que chamam a nossa atenção. Há alguns anos, o Governo da China, anunciou um aumento de 26% do investimento na pesquisa básica, no mesmo momento em que sua economia apresentava uma desaceleração. Isso demonstra que nem todos acham que uma crise deva representar um corte na verba para pesquisa, muito pelo contrário ...
Outra diferença marcante é a proporção de financiamento governamental e de financiamento da empresa particular em P&D. No exterior, há muito maior participação da iniciativa privada do que no Brasil. Aqui, do total de 1,24% do PIB gasto com ciência e tecnologia, 0,8% são provenientes do setor público e somente 0,44%, do privado. Historicamente, somos muito dependentes do Estado. São raros os exemplos como do recém-criado Instituto Serrapilheira, que investiu 350 milhões para financiar a pesquisa científica.
É necessário que se fortaleça o parque industrial nacional, para que, com a retomada da economia, a iniciativa privada possa ser também um foco de aporte de recursos para a P&D, buscando o aumento de fatias de mercado, a redução de custos e o desenvolvimento tecnológico que lhe dê competividade. Uma economia de produção em expansão seria uma opção para absorver parte dos pesquisadores e as grandes mentes da ciência nacional e, com isso, evitar um esvaziamento intelectual do Brasil.
Reconheço que fazemos isso muito pontualmente. Uma referência nacional atual que segue com pujante crescimento é o agronegócio, no qual somos competitivos e inovadores. Nos anos 70, a produtividade da soja no Brasil era de 1,1 toneladas/ha. Atualmente, nossa média nacional passa de 2,8 toneladas/ha, sendo que o Estado do Paraná, em 2017, apresenta média de 3,6 toneladas/ha, excedendo até mesmo a produtividade dos EUA, de 3,2 toneladas/ha.
Assim, lembrando que crises podem representar oportunidades para transformação, reforço a necessidade das novas gerações entenderem o significado da ciência e do conhecimento para as suas vidas, bem como, que não só o Estado destine verbas para a pesquisa e inovação, mas também as empresas em geral, ampliando seus esforços e investimentos, além de apoiar os projetos científicos, nas distintas áreas do conhecimento. Os resultados são recompensadores e concretos. Temos constatado isso na prática, no âmbito do Prêmio Péter Murányi, que reconhece trabalhos transformadores da vida de comunidades em desenvolvimento.
Sobre a autora: Vera Murányi Kiss é graduada em direito pela PUC-SP e administração de empresas da FGV-SP, é presidente da Fundação Péter Murányi que concede prêmio anual de R$ 250 mil a trabalhos inovadores, com aplicabilidade prática e que melhorem a qualidade de vida dos povos em desenvolvimento.
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