Redação TN Petróleo/Assessoria Snergy Advisors
A greve dos auditores-fiscais da Receita Federal tem sido tema de discussão econômica e política em todo o país. A paralisação, iniciada em novembro de 2024, já completa mais de 80 dias, afetando diretamente a arrecadação tributária e o funcionamento de importantes setores. A principal reivindicação da categoria é um reajuste salarial que compense a defasagem acumulada desde 2016, e a implementação de um bônus de eficiência previamente acordado com o governo.
Os auditores-fiscais apontam que o vencimento básico está congelado há anos, tendo recebido apenas um reajuste de 9% em 2023, insuficiente para cobrir a inflação acumulada no período, e além disso, reivindicam melhores condições de trabalho e a implementação do bônus de eficiência, que deveria ser pago como um incentivo à arrecadação de tributos.
A paralisação tem gerado um impacto significativo na arrecadação federal. Já se fala que são mais de R$ 15 bilhões pendentes devido à greve, prejudicando o cumprimento das metas fiscais do governo que havia projetado arrecadar R$ 31 bilhões em transações tributárias no projeto de lei orçamentária deste ano. A meta do governo era vista com ceticismo, já que, em 2024, a meta era a mesma e o governo arrecadou pouco mais de R$ 5 bilhões.
O Ministério da Fazenda tem mantido uma postura cautelosa em relação às reivindicações e alega que há restrições fiscais para conceder reajustes salariais. O governo vem argumentando que outras categorias também estão na fila por aumentos e que um acordo com os auditores poderia gerar um efeito cascata sobre todo o funcionalismo público. Por esta razão, até o momento não houve avanços significativos nas negociações.
Muitos se perguntam se a greve é legitima. Os dois aspectos devem ser discutidos. A legitimidade das reivindicações da categoria e a postura do governo diante das demandas.
A greve pode ser vista como um direito legítimo da categoria, especialmente considerando a defasagem salarial acumulada e a não implementação de um bônus previamente acordado. Os auditores-fiscais desempenham um papel fundamental na arrecadação de tributos e na fiscalização aduaneira, e suas condições de trabalho impactam diretamente a economia. A paralisação pode ser interpretada como uma medida extrema diante da falta de resposta do governo.
Por outro lado, a postura cautelosa do ministério da fazenda pode ser vista como uma estratégia de contenção de despesas, considerando o desafio fiscal que o governo vem enfrentando. O argumento de que um reajuste salarial pode gerar um efeito cascata em outras categorias do funcionalismo é válido, e a falta de espaço orçamentário pode dificultar concessões imediatas.
A greve não me parece abusiva, pois decorre de um impasse nas negociações e se apoia em demandas concretas. No entanto, a omissão do governo em buscar uma solução negociada pode agravar os impactos econômicos, tornando a paralisação mais prejudicial para a sociedade no final das contas. O ideal seria um diálogo mais produtivo entre as partes, com propostas alternativas para atender as reivindicações sem comprometer o equilíbrio fiscal.
Efetivamente, a greve impacta diretamente o setor privado. As empresas que dependem de importação estão enfrentando dificuldades com atrasos no desembaraço aduaneiro, resultando em aumento de custos e no final do dia haverá o repasse consumidor final que já vem sendo onerado pela inflação. As empresas exportadoras, especialmente em segmentos que demandam rapidez na liberação de mercadorias, como agronegócio e indústria farmacêutica tem sido diretamente afetadas.
No entanto, é importante destacar que não é o primeiro movimento grevista dos auditores-fiscais. Em situações anteriores a categoria conseguiu avanços significativos, como o reconhecimento do bônus de eficiência, porém a demora na implementação desse benefício tem sido um ponto de atrito constante com o governo.
Caso a greve se prolongue, os impactos econômicos vão se agravar, comprometendo a arrecadação federal e dificultando o cumprimento das metas fiscais. Uma solução negociada entre as partes é essencial para evitar prejuízos maiores. Um acordo com um cronograma escalonado de reajustes ou a criação de um novo mecanismo de incentivo para os auditores seria um passo essencial para um caminho conjunto.
Existe um argumento do lado das empresas que o governo seja responsabilizado pelos custos adicionais de demurrage de contêineres e armazenagem causados pelos atrasos no desembaraço aduaneiro decorrentes da greve.
A responsabilidade estatal e o princípio da eficiência devem ser preservados.
O governo tem a obrigação de garantir que os serviços públicos sejam prestados de forma eficiente, conforme previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Se a paralisação dos auditores-fiscais prejudica diretamente os importadores, gerando custos adicionais, pode-se argumentar que o estado falhou em seu dever de garantir um funcionamento adequado da receita federal.
O governo pode até alegar que greves são previsíveis e que empresas devem se preparar para eventuais paralisações, mas a demora em resolver estas questões dá argumento para as empresas se protegerem.
Diante deste cenário, importadores afetados podem buscar a justiça para pleitear a compensação pelos custos de armazenagem e demurrage e buscar apoio de entidades do setor empresarial que podem pressionar o governo por medidas paliativas, como isenção de taxas portuárias ou compensações financeiras.
No passado, decisões judiciais já reconheceram que atrasos aduaneiros injustificados podem ensejar a responsabilidade do governo e importadores têm conseguido reverter cobranças de armazenagem e demurrage por meio de ações judiciais, alegando que o atraso decorreu de causas alheias à sua vontade.
Obviamente, caso a responsabilidade do governo seja reconhecida, isso pode gerar precedentes para futuras greves e impactar a maneira como o Brasil administra suas operações aduaneiras e também pode afetar a competitividade do país, já que importadores e exportadores podem enfrentar maior insegurança jurídica ao negociar prazos e custos logísticos.
O fato é que que a greve dos auditores-fiscais levanta uma discussão importante sobre a valorização do funcionalismo público e os limites da responsabilidade fiscal do governo. No entanto, as empresas estão sendo prejudicadas e a sociedade é quem pagará a conta.
Sobre o autor: Gustavo Valente é CEO da Sinergy Advisors, estrategista e arquiteto em desenvolvimento de negócios.
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