O objetivo estratégico da Petrobras para adquirir a participação de 33,34% da italiana Eni na portuguesa Galp intriga analistas do mercado financeiro, que não conseguiram até agora visualizar os benefícios do negócio. Enquanto isso, as conversas entre Petrobras, Eni e acionistas da Galp reunidos na Amorim Energia - o bilionário português Américo Amorim, Isabel dos Santos e a Sonangol, estatal de petróleo de Angola - continuaram na Europa ao longo desta semana.
Questionada, a estatal não informa sua estratégia, reafirmando apenas que está analisando o negócio. Até agora os ganhos econômicos não são visíveis assim como os supostos benefícios que tornariam Portugal a porta de entrada de biodiesel brasileiro na Europa a partir de óleo de palma e dendê produzidos no Pará, em acordo assinado pelas duas empresas endossado pelo ex-presidente Lula. O acesso do biocombustível brasileiro ao mercado europeu está nos planos da Petrobras.
A sustentar a estratégia está a meta da União Europeia definida durante a Cúpula de Copenhague, de cortar em 20% as emissões de CO2 na região até 2020. Até lá, a diretiva de energias renováveis (RED na sigla em inglês) prevê redução de 10% das emissões do setor de transportes; enquanto outra diretiva para melhorar a qualidade dos combustíveis e reduzir a intensidade de carbono (FQD) obriga que energia suprida para transporte terrestre seja reduzida em 6% até 2020, o que obrigará os refinadores a misturar até 12% de biodiesel no combustível.
Fontes de diversos setores procuradas só falam sobre o assunto de forma reservada. Mas explicaram que o mercado europeu é protegido para garantir espaço para agricultores locais e por isso um produto plantado no Brasil, mesmo que processado em Portugal, pode sofrer com as barreiras comerciais existentes.
Essas metas justificariam, em tese, a estratégia da Petrobras, apesar de permanecerem dúvidas sobre o surgimento de barreiras comerciais. "Não existe um mercado europeu de combustíveis. Existem mercados, tipo o francês, o alemão e o espanhol, por exemplo, onde predomina a Abengoa, empresa que tem acordos com a Repsol ", explica uma fonte, que prevê entraves à Galp para acessar o mercado ibérico. "É tudo muito fragmentado e cheio de legislações, fechando a porta para terceiros".
Qualquer que seja o custo da operação - mencionou-se US$ 4,7 bilhões em Portugal, valor que no Brasil foi considerado "irreal" -, ele será bilionário em um momento em que o dinheiro está escasso na estatal, que tem à frente um leque colossal de projetos orçados em US$ 224 bilhões até 2014 e que está em revisão, podendo subir. O analista de um banco internacional considera o negócio ruim para a Petrobras. Ele lembra que a estatal estaria comprando parte de uma empresa mais "cara" do que ela, já que o múltiplo (critério de valor da empresa/Ebitda) da Galp nos últimos doze meses é de 14,9 enquanto o da Petrobras é de 7,2. "Acho ruim a Petrobras comprar uma empresa negociada por um múltiplo mais alto que ela para ter acesso a uma pequena parte do pré-sal. E o acesso ao mercado de combustíveis na península ibérica não é uma razão, na minha opinião", diz o analista, que também pediu para não ser identificado.
No início do mês a corretora Ativa considerou negativa a entrada da Petrobras na Galp. Em relatório para clientes, a analista Monica Araújo, observou que apesar da parceria entre as duas empresas, "o valor envolvido tem relevância frente aos investimentos programados anualmente pela Petrobras e pelos desafios de investimentos diretos da Petrobras no segmento de exploração no Brasil".
Diz ainda que a exposição da Galp às áreas do pré-sal é o principal motivo da análise da Petrobras, "mas para tal terá que ter participação também em outros ativos na Europa, como refino".
Descontadas as análises econômicas, a Petrobras também enfrenta resistência dos atuais acionistas da Amorim. Américo Amorim é o homem mais rico de Portugal e tem como sócios indiretos na Galp a filha do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos (no poder desde 1979) e a Sonangol, que detém indiretamente 9%. Os Santos tem vários negócios com Amorim e há tempo querem reduzir o poder da Eni. O tema é delicado, pois a família pode tornar difícil a vida das empresas de petróleo em Angola, uma das mais prósperas fronteiras de óleo da África.