Combustíveis

Protocolo de Kyoto e alta do petróleo abrem espaço para o álcool no exterior

Valor Econômico
02/12/2004 02:00
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Maior exportador mundial de açúcar, com uma participação aproximada de 40%, o Brasil aquece as turbinas para consolidar sua liderança também no mercado internacional de álcool em 2005, depois de quebrar o recorde de embarques neste ano. "Os mercados para o etanol começam a se firmar e o país está preparado para ocupar espaços e explorar as oportunidades que vão se abrir, daqui para frente", declara o presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), Eduardo de Carvalho.
As vendas externas de açúcar e álcool poderão render ao país, até o fechamento do ano, algo próximo de US$ 3 bilhões, ensaiando um avanço de 32% na comparação com os doze meses de 2003. As perspectivas do setor serão debatidas hoje no seminário "O Brasil e a Energia do Século 21: Açúcar e Álcool", promovido pelo Valor e o Ministério das Relações Exteriores, com patrocínio da Unica.
No caso do álcool, esperava-se inicialmente uma exportação na faixa de 1,5 bilhão de litros neste ano, o que representaria mais do que dobrar os volumes embarcados. Mas o resultado final deverá se aproximar de 2,2 bilhões de litros ou um pouco mais, três vezes mais do que no ano passado. O volume ainda representa menos de 15% da produção esperada para a safra 2004/2005, estimada em 15 bilhões de litros. "Se tivéssemos maior volume de produção excedente, teríamos exportado ainda mais", afirma o presidente da Coimex, Clayton Hygino Miranda. Competência técnica e fôlego para preservar e ampliar os mercados conquistados, a indústria tem de sobra, acrescenta Carvalho, definindo o ânimo que tenderá a condicionar a ofensiva brasileira nos anos futuros.
Miranda e o presidente da Crystalsev, João Carlos de Figueiredo Ferraz, compartilham pontos de vista semelhantes. Na visão deles, o mercado global de álcool carburante, que dava mostras de tímidos avanços, tende a observar taxas contínuas de crescimento, derivadas por dois fatores. O primeiro deles surge com a ratificação do Protocolo de Kyoto pela Rússia, que passa a ter data certa e sabida para entrar em vigor: 16 de fevereiro de 2005.
"Isso elimina as dúvidas que existiam a respeito do protocolo e, sua entrada em vigor, vai exigir que os governos signatários passem a adotar uma série de medidas e ações concretas para redução do uso de combustíveis fósseis, geradores de dióxido de carbono (CO²), principal gás do efeito estufa", diz Carvalho. O que mais se parecia com um tipo de discussão acadêmica ganha viabilidade estratégica, política e econômica, o que pressupõe o surgimento de um mercado não totalmente dimensionado pelos grandes players do setor.
O segundo fator está na elevação recente dos preços do barril do petróleo. Com uma cotação na casa dos US$ 50, há uma expectativa grande de incremento das exportações de álcool, uma vez que o produto torna-se competitivo quando a cotação do combustível fóssil atinge US$ 35.
"O importante é que haverá mercado e que o país está preparado para disputa-lo", afirma Carvalho. Por capacidade competitiva leia-se a extrema eficiência alcançada pelo Brasil na produção de álcool e açúcar, obrigando os países mais desenvolvidos e maiores consumidores a criarem subsídios e imporem barreiras às importações das duas commodities.
Nos cálculos da Unica, tomando a cotação atual da moeda norte-americana, as 306 usinas brasileiras gastam, na média, US$ 0,21 para produzir um litro de etanol, o que corresponde a um custo 36,4% inferior ao registrado nos Estados Unidos (US$ 0,33), que produz álcool principalmente a partir do milho, e nada menos do que 62,5% mais baixo do que na União Européia (US$ 0,56). Deve-se recordar que aqueles são valores médios, calculados para todo o país.
Combustível renovável e ambientalmente sustentável, o álcool deverá entrar definitivamente para a agenda dos principais países consumidores de petróleo, espera a indústria brasileira. A grande dúvida é velocidade de crescimento desse mercado. "O tamanho final desse mercado vai depender, em larga medida, das decisões de natureza estratégica e política que cada país vai tomar", afirma Carvalho, já prevenindo o setor para que não espere "grandes lances" e evite uma "euforia juvenil" em relação às promessas de negócios.
A maioria dos países, com exceção do Japão, busca, primeiro, criar programas de substituição parcial da gasolina pelo álcool, ancorados na produção doméstica, lançando mão de subsídios e barreiras alfandegárias. Nenhum deles, no entanto, excluídos uns poucos das Américas Latina e Central, terá condições de suprir toda sua necessidade. De uma forma ou de outra, vão se abrir novos mercados para o Brasil.
Maior mercado, em potencial, os EUA parecem mais adiantados na tarefa de substituir parte da gasolina por combustível renovável. Numa projeção, elaborada pela Unica no ano passado, estimava-se que a produção de etanol pelos norte-americanos poderia atingir 19 bilhões de litros em 2012, crescendo 135% sobre 2002, quando o país produziu 8,09 bilhões de litros. Dos 50 Estados norte-americanos, 19 baniram o MTBE, aditivo poluente, utilizado como oxidante na mistura com a gasolina. Os EUA adotam um sistema de proteção tarifária que aplica uma alíquota de 2,5% ad valorem e mais US$ 0,54 por galão de álcool importado (cerca de US$ 0,15 por litro).
Empresas como a Coimex têm adotado estratégias para driblar o protecionismo norte-americano. As tarifas impostas ao álcool importado, por exemplo, não se aplicam ao etanol comprado dos países do Caribe, o que abre a possibilidade de operações triangulares para explorar o amplo mercado dos EUA. A Coimex coloca em operação sua primeira planta de processamento de álcool na Jamaica, com capacidade para 150 milhões de litros por ano. Em fevereiro, num investimento de US$ 8 milhões, a fábrica começa a desidratar o carburante importado do Brasil, reexportando o álcool anidro para os EUA.
Na União Européia, uma diretiva baixada há um ano e meio recomenda, mas não obriga, a substituição de 2% da gasolina por combustíveis de origem renovável ainda em 2005, estabelecendo metas progressivas até atingir 5,75% em 2010. "Na visão mais conservadora, se a primeira meta for cumprida, isso representaria um mercado de 3 bilhões de litros por ano. Na previsão mais otimista, que contempla a substituição de 5,75%, a demanda poderá alcançar 8 bilhões de litros", prevê Alfred Szwarc, consultor da Unica.
A China espera chegar a 2008, ano das Olimpíadas, com um percentual de substituição na faixa dos 10%, correspondendo a um mercado potencial para mais 5 bilhões a 6 bilhões de litros de álcool. "O Brasil terá oportunidade de participar desse mercado e tem se preocupado, desde já, em se apresentar como um parceiro preferencial para suplementar a demanda que a China não conseguir suprir com a produção doméstica", relata o consultor.
O caso japonês é ainda mais complicado. "Por enquanto, o Japão não tem política alguma nesta área", diz Szwarc. Em agosto do ano passado, o governo japonês criou uma nova legislação, destinada muito mais a cobrir brechas legais e a combater um crescente mercado lastreado na mistura à gasolina de substâncias altamente tóxicas. A lei deixou em aberto a possibilidade de mistura de etanol a combustíveis fósseis numa proporção de até 3%. Caso fosse obrigatória, a mistura abriria um mercado equivalente a 1,8 bilhão de litros, calcula Szwarc.
O mercado tailandês, no entanto, deverá representar possibilidades reais para o Brasil nos próximos anos. Hoje, 250 postos naquele país trabalham com gasolina misturada ao álcool, numa proporção de 10%. Projetado para todo o país, aquele percentual poderia corresponder a 3 bilhões de litros de álcool. A Tailândia aposta na produção doméstica e deve encerrar o ano com uma capacidade correspondente a um milhão de litros por dia (quase 400 milhões de litros por ano), prevendo triplicar essa produção em dois ou três anos.
No mercado interno, a perspectiva de avanços vem sendo alimentada fortemente pelo surgimento dos veículos movidos a motores "flex fuel", que rodam, alternativamente, com gasolina e álcool. Carvalho aposta que, em dois ou no máximo três anos, 70% a 80% dos veículos do país estarão equipados com motores "flex fuel".

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