Internacional

Peru está prestes a iniciar megaexploração de gás

Valor Econômico
15/07/2004 03:00
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Entre 1983 e 1987 foram descobertas reservas de gás natural no Peru que, somadas, representam hoje uma das maiores fontes do produto na América Latina. No próximo mês, 20 anos após o achado, o país deve começar a exploração do chamado Projeto Camisea, que soma investimentos de cerca de US$ 3 bilhões. É um projeto tão grande que, sozinho, deverá ter impacto de 0,8% do PIB do país ao ano, segundo estimativas.
A expansão dos negócios de mineração em geral, e o Camisea em particular, têm ajudado a engordar os investimentos estrangeiros diretos no Peru. Segundo a agência de classificação de risco Fitch, o patamar atual de investimentos é mais que suficiente para cobrir o déficit em conta corrente peruano, que foi de 1,8% do PIB em 2003.
Este pode ser um ponto positivo a se destacar na economia do país, mas não é o único. Segundo o Marco Macroeconômico Multianual 2005-2007, publicado pelo Ministério da Economia do país, o PIB peruano deverá crescer 4,3% neste ano, desempenho acima do verificado na média da América Latina. Espera-se que o saldo da balança comercial chegue a US$ 2,3 bilhões, o triplo do registrado em 2003. A "favorável performance econômica, com crescimento sólido e baixa inflação" levou o Fundo Monetário Internacional a aprovar no mês passado empréstimo de US$ 422,8 milhões. A linha de crédito tem caráter preventivo e o país não tem intenção de utilizar os recursos, mas demonstra a visão que os agentes econômicos internacionais têm hoje do Peru.
A Fitch mostrou-se disposta a elevar a nota de crédito peruana depois de, em junho, colocar em perspectiva positiva a classificação da dívida do país de longo prazo em moeda estrangeira, que é atualmente de "BB-". As reservas internacionais do Peru estão em US$ 10,8 bilhões, o melhor nível em sete anos. Este foi um dos fatores que levaram a Standard & Poor´s a alterar o rating peruano de "BB-" para "BB", apenas dois degraus, na escala da agência, abaixo do patamar considerado mais seguro para os investidores, o chamado "investment grade".
Há de se supor, portanto, que os fogos de artifício e rojões ouvidos por lá não se devem apenas à participação da seleção nacional de futebol na Copa América, que está sendo disputada no país. Estaria o governo do presidente Alejandro Toledo também sendo louvado pelo desempenho da economia, que parece encher os olhos dos analistas internacionais? Por mais óbvia que pareça, a suposição acaba não se confirmando.
O índice de popularidade de Toledo, que tem mandato até 2006, patina na casa do dígito único há meses. Pode soar como contra-senso, mas em pesquisas recentes sobre possíveis candidatos para substituir o presidente nas próximas eleições aparece o ex-titular do posto Alberto Fujimori, destituído pelo Congresso sob uma avalanche de acusações de corrupção e afastado da vida pública por dez anos.
Quem também figura nos levantamentos é outro ex-presidente, Alan García (1985 e 1990), período em que a inflação explodiu - em 1990, a inflação foi a estratosféricos 7.649%; hoje, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI), o acumulado dos últimos 12 meses é de 4,2%.
Há quem interprete a rejeição ao presidente que comanda um país cuja performance econômica é elogiada no exterior como herança do pendor latino-americano dado a figuras populistas, caudilhos. Norman Gall, diretor do Instituto Fernand Braudel e estudioso de América Latina, acha que a leitura a se fazer vai além dessa. Para ele, os dirigentes da região não sabem transmitir à população a idéia de que a estabilização de um país é um feito de governo tão relevante quanto a construção de uma estrada, por exemplo.
"Eles não ´vendem´ isso para o povo. Os políticos não se dão crédito e não reclamam crédito para si por causa dessa façanha (da estabilidade), pelo contrário", disse. "Na Argentina, o (ex-presidente Eduardo) Duhalde, um velho cacique peronista e de pouco prestígio, assumiu o país e o estabilizou, mas ninguém dá crédito a ele para isso. Ele fez uma coisa muito profissional politicamente."
Gall diz que o problema do Peru não é o seu presidente. "O país não tem uma grande dívida pública e os tributos representam entre 12% e 13% do PIB" (no Brasil, esse número é de cerca de 40%). "Qualquer coisa que acontece, querem afastar o Toledo, e isso é injusto. O que ocorre é que o país está vivendo uma explosão de democracia. O povo hoje reclama de questões específicas". As pesquisas apontam que o presidente é visto como gastador, imagem ligada à decisão de aumentar o próprio salário para US$ 18 mil logo que assumiu a presidência. Ele também enfrentou longa batalha judicial para só então reconhecer uma filha que teve fora do casamento - passou, portanto, a ser visto como mentiroso.
Há também dados econômicos desfavoráveis. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a pobreza rural mantém-se alta, em 42% - mas deve-se levar em conta que o número caiu seis pontos percentuais. O desemprego está acima de 10%, razoável se comparado com outras nações latino-americanas, mas ainda assim preocupante. "O país precisa mudar seu modelo de crescimento para aumentar o nível de emprego", diz Sebastian Briozzo, analista da S&P. "Se isso não ocorrer, o Peru vai ter um problema social mais sério no médio prazo". A tal mudança de modelo sobre a qual fala Briozzo passa pela redução da informalidade da economia. Estima-se que pelo menos 50% da força de trabalho peruana atue hoje na informalidade.
A análise feita pela S&P para a elevação do rating da dívida do país levou em conta, é claro, o momento político delicado por que passa o governo. Ainda assim, a análise é de que seu impacto sobre o rating, no momento, é limitado. O cenário desenhado pela agência não prevê a saída de Toledo antes do fim do mandato. "Há um problema de imagem, mas os diferentes partidos não criticam a política econômica do governo, que conseguiu reduzir o déficit". A S&P aposta em avanço do PIB peruano acima de 4% nos próximos três anos.
O recém-adotado clichê brasileiro para tratar dos fatores que impedem o crescimento da economia fala de "gargalos". Tem-se ainda o "Brasil é o país do futuro". O ministro da Produção peruano (pasta que uniu os Ministérios da Indústria e da Pesca), Alfonso Velásques Tuesta, preferiu metáfora mais sinuosa. Em seminário internacional sobre investimentos em biodiversidade realizado no mês passado em Lima, Tuesta resumiu (em frase que afirmou ser alheia): "o Peru é um mendigo sentado sobre uma mina de ouro". O Projeto Camisea é a aposta do governo para que o cofre comece a ser aberto.

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