América do Sul

Instabilidade política na Bolívia ameaça investimento da Braskem

Valor Econômico
15/12/2005 02:00
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Independentemente do resultado da eleição geral na Bolívia, a sonhada estabilidade política deve continuar fora do horizonte deste país fortemente polarizado. Isso ameaça a continuidade dos investimentos estrangeiros no setor de gás, que estão praticamente paralisados, e a realização de novos projetos, como o pólo gás-químico previsto pela brasileira Braskem.

Neste domingo, o país vai renovar o Congresso, eleger governadores (pela primeira vez diretamente) e prefeitos, além de votar para presidente. Como nenhum candidato deve obter maioria no primeiro turno, os dois primeiros colocados - quase certamente o socialista Evo Morales e o conservador Jorge Quiroga - vão disputar o segundo turno, em janeiro, cuja votação é no Congresso.

Espera-se um quadro político pós-eleitoral instável. Quiroga deve ter maioria no Senado e a maior bancada da Câmara. Se Morales for eleito presidente, terá o Legislativo contra ele. Se Quiroga vencer, sofrerá pressão dos movimentos sociais indígenas ligados a Morales, que já derrubaram dois presidentes nos últimos dois anos.

"A perspectiva de investimento, dada a situação de total incerteza, não é muito promissora", disse Carlos Alberto Lopes, porta-voz da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos, que representa as empresas do setor. Com as incertezas políticas dos últimos anos e a mudança da lei de hidrocarbonetos este ano, que elevou os royalties pagos pelas empresas que exploram o gás no país, os investimentos externos em gás praticamente caíram drasticamente (veja quadro ao lado). E, com essa redução, caíram junto as reservas de gás da Bolívia.

A Braskem, maior companhia petroquímica da América Latina, tem duas premissas básicas para levar avante seu projeto de montar uma unidade industrial de resinas termoplásticas na Bolívia: segurança institucional e ambiente de regras regulatórias claro. O empreendimento, que está projetado para ser erguido na fronteira com Brasil, tem investimento previsto de US$ 800 milhões a US$ 1 bilhão. Esse último valor equivale a mais de 10% do PIB boliviano. Ou seja, o projeto é importante para o país.

José Carlos Grubisich, presidente da companhia controlada pelo grupo Odebrecht, disse que esses fatores são necessários, em qualquer país, para um projeto desse porte. "Precisamos estar confortáveis para a tomada de decisão final do projeto", afirmou. Ele ressalvou que a decisão só será tomada no final de 2006 e, até lá, espera haver tempo suficiente para avaliar a linha de atuação do novo governo.

Mas 2006 promete ser um ano agitado para o setor de gás. Este ano, o governo já alterou a lei de hidrocarbonetos e quer obrigar as empresas que operam, entre elas a Petrobras, a migrar para um novo contrato. Mas não enviou ainda o novo contrato. As empresas (menos a estatal brasileira) estão questionando a migração na Justiça. Elas aceitam a migração desde que não seja imposta, mas negociada.

Os principais candidatos presidenciais falam genericamente em alterar a lei novamente. A nova lei já assegura um controle muito forte do setor pelo Estado, mas Morales quer um viés mais intervencionista. "Além das incertezas ligadas à politização da lei do gás, os candidatos dizem que vão modificá-lo, introduzindo um grau ainda mais de incerteza", disse Lopes.

Além disso, em junho será eleita uma Assembléia Constituinte, que terá poderes para rever o marco regulatório do setor de gás boliviano, e provavelmente o fará. Não há prazo certo para isso.

Grubisich esteve há cerca de um mês na Bolívia apresentando o projeto a lideranças políticas e empresariais do país e se reuniu com os três candidatos à Presidência. "Todos nos garantiram que vão respeitar os contratos e todos mostraram grande interesse pelo projeto da Braskem para instalação na Bolívia, pois ele alavanca o desenvolvimento regional e deverá gerar dezenas de milhares de postos de trabalho", afirmou o executivo.

Segundo o Valor apurou, a Braskem insistiu com os candidatos na necessidade de estabilidade política, estabilidade econômica e marco regulatório, nessa ordem, para a realização do projeto. Mas tanto a Braskem como as empresas petrolíferas têm evitado comentários públicos sobre a questão política.

O projeto da Braskem, para produção de 600 mil a 750 mil toneladas de polietileno, resina usada na fabricação de produtos plásticos, está atrelado a um grande complexo industrial com investimento avaliado em US$ 1,4 bilhão. Petrobras e Repsol, que exploram gás na Bolívia, são também investidores desse empreendimento maior.

"Ouvi dos três candidatos, Evo Morales, Jorge Quiroga e Samuel Doria Medina, que o projeto interessa ao país, pois ele adiciona valor à Bolívia em seu desenvolvimento industrial", afirmou Grubisich. O executivo disse não sentiu, das conversas com o embaixador brasileiro em La Paz, sinal iminente de crise social ou política.

"Os pontos críticos nesse momento são a escolha da tecnologia, o valor do investimento, a definição do modelo de construção e formatação societária." O projeto da Bolívia, lembrou Grubisich, é estratégico para a Braskem, pois muda o paradigma de produção da empresa, hoje à base de nafta, para uma tecnologia que tem o gás como matéria-prima. Hoje a empresa opera no Brasil em dois pólos: o de Camaçari, na Bahia, e o da Copesul, no Rio Grande do Sul. "É um projeto de escala mundial e cujo custo do gás nos permite ter competitividade com concorrentes que usam a matéria-prima do Oriente Médio." A expectativa, se concretizado, é entrar em operação até o fim desta década.

Sem esse projeto, a Bolívia corre o risco de perder um novo ciclo de investimentos no setor, esperado para os próximos anos. Mas, como lembra Lopes, da entidade setorial boliviana, "a incerteza é a pior inimiga do investimento".

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