Antitruste

Cade deve interferir mais em decisões do governo, afirmam especialistas

Valor Econômico
24/01/2006 02:00
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O Cade deveria interferir mais na formulação de políticas públicas por outros setores do governo para evitar distorções de mercado que prejudicam a competição. O órgão antitruste também deveria estar presente nas discussões sobre redução de tarifas de importação e nas crises de aumentos de preços em setores oligopolizados. A conclusão é de especialistas que irão propor uma nova política de concorrência em seminário do Instituto Nacional de Altos Estudos, quinta-feira, no Rio de Janeiro.

Para os especialistas, diversos órgãos do governo tomam decisões sem nenhuma preocupação com a criação de incentivos para a competição no país.

O exemplo mais recente foi a fixação de um teto para o preço do álcool. Os ministros da Fazenda, Antonio Palocci; da Agricultura, Roberto Rodrigues; da Casa Civil, Dilma Rousseff; e o interino das Minas e Energia, Nelson Hubner, reuniram-se com representantes dos usineiros e fecharam o teto de R$ 1,05 para o litro na usina. O resultado do controle dos preços foi uma elevação futura de R$ 0,05 no litro do álcool, segundo estimativas de distribuidores de combustíveis.

O problema, segundo especialistas, é que ninguém da área de promoção de concorrência está sendo consultado em casos como esse. O Valor procurou a presidente do Cade, Elizabeth Farina, e os secretários de Direito e de Acompanhamento Econômico dos ministérios da Justiça e da Fazenda, Daniel Goldberg e Helcio Tokeshi, e todos disseram que não tomaram parte da decisão, evitando comentá-la, segundo regra política vigente na Esplanada dos Ministérios de não questionar decisões de superiores, principalmente se forem ministros de Estado e se a decisão é tomada em grupo entre eles.

O problema do acordo entre ministros e usineiros é que ele é proibido pela Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884), que proíbe a reunião entre representantes de um mesmo setor da economia para discutir preços. O artigo 23 da lei prevê multa de 1% a 30% do faturamento de cada empresa envolvida em reunião para discutir preços. A multa foi aplicada contra as siderúrgicas CSN, Usiminas e Cosipa num contexto parecido com o dos usineiros.

"O governo está dando o mau exemplo", criticou Sérgio Varella Bruna, do escritório Lefosse Advogados. "Se convoca os usineiros para determinar os preços do setor, como vai querer condená-los por cartel depois?", questionou. Para ele, ao deixar a política de concorrência de lado na discussão desses problemas setoriais, o governo acaba dando estímulos contraditórios. De um lado, há a política de concorrência e, do outro, acordos de preços.

O economista José Tavares de Araújo defende um papel mais ativo do Cade junto aos ministérios e demais órgãos do governo. "Um dos principais papéis da política de concorrência é melhorar outras políticas públicas", explicou. "Deve-se fortalecer o papel do Cade de promover a concorrência forçando a coerência do governo em diferentes ações", completou Tavares, que foi secretário de Acompanhamento Econômico de 2003 a 2004.

Outro exemplo de incentivo anticoncorrencial do governo é o estímulo a fusões. No caso Varig-TAM, alguns setores importantes do governo, como o Ministério da Defesa e o BNDES queriam unir as duas companhias aéreas. "É outro exemplo clássico de como o governo pode criar distorções", disse Tavares, que atuou diretamente no caso. Segundo ele, o acordo das duas companhias - pelo qual puderam dividir assentos e cobrar preços iguais nas principais rotas - foi absolutamente lucrativo para ambas. "Elas ganharam rios de dinheiro com o beneplácito do governo", contou o ex-secretário. As promoções foram reduzidas, a oferta de vôos caiu. Só com o fim do acordo, conforme decisão do Cade, as promoções voltaram.

A redução de tarifas de importação é outro desafio para os órgãos antitruste. Em muitos casos, o Cade percebe que as tarifas são altas, o que é um empecilho à competição - afinal, se as empresas estrangeiras tiverem incentivos para vender os seus produtos aqui, as empresas locais irão pensar duas vezes antes de aumentar os preços. Mas, mesmo nesses casos, o Cade pouco faz. Em apenas um grande caso, o Cade pediu a retirada de sobretaxas às importações, no julgamento da compra da Biobrás pela Novo Nordisk, em 2003.

O negócio concentrou pelo menos 75% do mercado de insulina no Brasil. O Cade o aprovou, com a condição de que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) retirasse as sobretaxas impostas às importações de insulina por duas concorrentes mundiais da dinamarquesa Novo Nordisk: a americana Eli Lilly e a francesa Lilly France.

Para Tavares, medidas como essa deveriam ser constantes. Ele lembra que a tarifa de importação de chocolates é de 12%, um percentual relativamente alto, que dá certa proteção à indústria nacional. No entanto, em fevereiro de 2004, quando o Cade obrigou a Nestlé a vender a Garoto para uma companhia, provavelmente estrangeira, não se lembrou de pedir a redução da alíquota de importação. "Proibiram a fusão, mas não se lembraram de eliminar a proteção à competição externa", criticou Tavares.

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